sábado, 23 de abril de 2016

crônica da semana-roda viva

Roda viva
Sou um sujeito meio às avessas. Do contrário. Do revestrés. Guardando-se as devidas proporções, me vejo assemelhado a uma amiga minha que enfrentando comigo uma pindaíba das brabas, em tempos outros, daquela de dividir um ovo frito no jantar; ao se abater e definhar aos ossos, pelo contrário engordava e mais corada ficava a olhos vistos. Quanto mais sofria, quanto mais passava aperreio com o cumê pouco, mais uns quilinhos ganhava. Dizque era nervoso aquilo. Um desequilíbrio doido. Um calibre rebelde que negava o baque.
Aí é aquela coisa. A situação do país, delicadíssima; anos e anos de construção democrática escorrendo pelo ralo, e eu me venho com uma crônica lembrando o Chico Buarque e seus versos de contestação. Batida no cravo, minha prosa hoje seria de desolação e descontentamento.
Mas quando! A batida vai na ferradura e no calor da luta, como minha querida amiga, ganho uma corzinha e engordo. Pelo menos aqui na minha contação de sábado.
A roda viva. O ciclo incontestável, o começo e o fim se encontrando.Tropeçando um no outro. Forçando passagem. O alfa da decisão. O ômega da frustração. Em contato imbricado. A roda viva. Alegre. Musical. Entusiasmada. Pândega e bêbada.
O primeiro carnaval que passei em Rondônia me trouxe a surpresa de ver que o setlist dos bailes era encabeçado por vários cantores paraenses. Pinduca era um que reinava nos salões. Aquela sequência de marchinhas era incansavelmente repetida. E a folia se esticava, a alegria e o êxtase irradiavam-se noite à dentro.
Eu, molecote bestão, igrejeiro, caretão, me enturmava meio sem jeito. Apelava ao comedimento e à discrição. Mas as marchinhas do Pinduca, o suor e a cerveja, contagiavam, não davam chances a recatos e de vez em vez eu embarcava num trenzinho alegre a dar a volta no salão.
O lugar em que os bailes aconteciam, a gente chamava de chapéu de palha. Tratava-se de uma construção modesta em área circular, calçada em cimento e coberta de palha. Daí o nome. Tinha um bar, poucas e desnecessárias cadeiras, nos tempos de carnaval. O detalhe, o que chamava a atenção na construção era uma peça de madeira bastante resistente que ficava bem no meio do salão e que ia do piso até o ponto mais alto da construção e lá em cima servia de guia para fechar o capote do telhado.
E era em torno deste pontalete que se formava o cortejo carnavalesco. Os foliões ficavam o baile todo brincando, cantando fazendo graças e tirando sarro num arrodeio delirante ao esteio.
Eu, na minha discrição, e com o nível etílico um tanto abaixo dos demais, declinava da roda e me quedava à observação. E percebia outro divertimento da festa. Grupos que ficavam à margem da algazarra, pastoreavam os brincantes. Quando um mais cansado tentava sair do meio da galera, rapidamente era empurrado de volta e reintroduzido ao seu folgado arrodeio sem fim.
A roda viva. O ciclo incontestável, o começo e o fim se encontrando. Pândega e bêbada. A roda.

Até hoje acho que tem alguém dando voltas em torno daquele bruto tronco de madeira. Tentando sair e sempre um sujeito atentado o empurrando de volta.

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