Roda viva
Sou
um sujeito meio às avessas. Do contrário. Do revestrés. Guardando-se as devidas
proporções, me vejo assemelhado a uma amiga minha que enfrentando comigo uma
pindaíba das brabas, em tempos outros, daquela de dividir um ovo frito no
jantar; ao se abater e definhar aos ossos, pelo contrário engordava e mais
corada ficava a olhos vistos. Quanto mais sofria, quanto mais passava aperreio
com o cumê pouco, mais uns quilinhos ganhava. Dizque era nervoso aquilo. Um
desequilíbrio doido. Um calibre rebelde que negava o baque.
Aí
é aquela coisa. A situação do país, delicadíssima; anos e anos de construção
democrática escorrendo pelo ralo, e eu me venho com uma crônica lembrando o
Chico Buarque e seus versos de contestação. Batida no cravo, minha prosa hoje seria
de desolação e descontentamento.
Mas
quando! A batida vai na ferradura e no calor da luta, como minha querida amiga,
ganho uma corzinha e engordo. Pelo menos aqui na minha contação de sábado.
A
roda viva. O ciclo incontestável, o começo e o fim se encontrando.Tropeçando um
no outro. Forçando passagem. O alfa da decisão. O ômega da frustração. Em
contato imbricado. A roda viva. Alegre. Musical. Entusiasmada. Pândega e
bêbada.
O
primeiro carnaval que passei em Rondônia me trouxe a surpresa de ver que o
setlist dos bailes era encabeçado por vários cantores paraenses. Pinduca era um
que reinava nos salões. Aquela sequência de marchinhas era incansavelmente
repetida. E a folia se esticava, a alegria e o êxtase irradiavam-se noite à dentro.
Eu,
molecote bestão, igrejeiro, caretão, me enturmava meio sem jeito. Apelava ao
comedimento e à discrição. Mas as marchinhas do Pinduca, o suor e a cerveja,
contagiavam, não davam chances a recatos e de vez em vez eu embarcava num
trenzinho alegre a dar a volta no salão.
O
lugar em que os bailes aconteciam, a gente chamava de chapéu de palha.
Tratava-se de uma construção modesta em área circular, calçada em cimento e
coberta de palha. Daí o nome. Tinha um bar, poucas e desnecessárias cadeiras,
nos tempos de carnaval. O detalhe, o que chamava a atenção na construção era uma
peça de madeira bastante resistente que ficava bem no meio do salão e que ia do
piso até o ponto mais alto da construção e lá em cima servia de guia para
fechar o capote do telhado.
E
era em torno deste pontalete que se formava o cortejo carnavalesco. Os foliões
ficavam o baile todo brincando, cantando fazendo graças e tirando sarro num
arrodeio delirante ao esteio.
Eu,
na minha discrição, e com o nível etílico um tanto abaixo dos demais, declinava
da roda e me quedava à observação. E percebia outro divertimento da festa.
Grupos que ficavam à margem da algazarra, pastoreavam os brincantes. Quando um
mais cansado tentava sair do meio da galera, rapidamente era empurrado de volta
e reintroduzido ao seu folgado arrodeio sem fim.
A
roda viva. O ciclo incontestável, o começo e o fim se encontrando. Pândega e
bêbada. A roda.
Até
hoje acho que tem alguém dando voltas em torno daquele bruto tronco de madeira.
Tentando sair e sempre um sujeito atentado o empurrando de volta.
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