sexta-feira, 8 de abril de 2016

crônica remix -astronomia

De perto ninguém é
Este ano comemora-se o Ano Internacional da Astronomia. Muita gente dá de ombros quando sabe disso. Afinal, é normal achar que essas coisas do céu têm mais a ver com uns incorrigíveis tantãs.
Nem tanto.
Esta comemoração baseia-se nos 400 anos da invenção do telescópio (ou da adaptação deste instrumento por Galileu).
Com a utilização do telescópio, Galileu pôde observar outros planetas e conseguiu perceber o movimento de pequenos astros em volta de Júpiter. Uma grande descoberta. Com aquela visão, Galileu balançou as estruturas medievais, as certezas imutáveis defendidas pela igreja. Ali, havia um testemunho claro de que nem tudo girava em torno da Terra (as luas de Júpiter giravam em torno de Júpiter). A Terra não era, então, o centro do universo. Aí já viu, né. Foi aquele quiproquó. Um para pra acertar que levou Galileu às barras da Inquisição.
A importância do telescópio, porém, vai além da simples observação do céu noturno. O telescópio inaugurou um momento histórico em que o homem se utiliza de intermediários tecnológicos para entender melhor o mundo. É a partir da utilização do telescópio (quando a gente começa a ver o infinitamente grande) que o mundo dos sentidos começa a ser questionado mais severamente. Começamos a desconfiar, a partir daí, que há cores, sons, texturas, sabores, odores que existem, nos rodeiam, mas não os conseguimos perceber somente com os sentidos. Desde então, o homem entendeu que para se integrar a este mundo que vai além das sensações, deveria admitir a necessidade de mediações, de instrumentos capacitados não só para localizar os fenômenos, mas também para medi-los (e o termômetro que usamos para medir a febrinha dos nossos filhinhos nos é revelador da validade deste entendimento).
Essa coisa de ultrapassar os sentidos me encanta. Não fosse por esta ousadia de Galileu, até hoje o sol estaria girando em torno da Terra. Uma questão deveras grandiosa porque, sem dúvida, é muito difícil de ser comprovada.
A teoria do heliocentrismo, aquela que diz que a Terra gira em torno do sol, não é propriedade de Galileu. Vem dos gregos, de Copérnico, Kepler e deu fogueira pra muita gente. Tinha indícios de verdade, mas demorou para ser confirmada (foi demonstrada apenas em 1851 por Jean Bernard Léon Foucault, com o famoso pêndulo). Sabe por quê? Porque subordina-se, inevitavelmente, a que os olhos vêem.
Todos os dias de manhã, o que vemos é o sol nascer no horizonte leste e depois, caminhar (andar, mover-se) obediente pelo céu até desaparecer no horizonte oeste. É isso que os nossos sentidos nos dizem. Se a gente for ver direitinho, não há como pensar o contrário. Pode reparar, fazer o teste. Difícil fugir desta sugestão, né? Por isso é que Galileu, que não era besta nem nada, abjurou. Não tinha como provar o heliocentrismo.
Às vezes, eu amanheço os dias vivendo o século 17. Olho o sol nascente e admito a Terra como sendo o centro de tudo. Não muda muita coisa, não. A vida segue normalmente, com as vérsias e as controvérsias rotineiras. O meu suor escorre do mesmo jeitinho nas lidas operárias e a minha conta bancária não se bandeia para o lado direito da reta real (muito pelo contrário: insiste em pertencer, em estar contida no conjunto dos números inteiros não positivos). Mas, no correr da luta, reconsidero. Ao anoitecer, apanho o meu telescópio, que vive encostado ali no canto, esperando um sinal dos céus e miro o infinito neste milênio cheio de surpresas e decisões.
Por estas lentes companheiras, ‘minhas retinas tão fatigadas’ têm esperanças de, um dia, descobrir outras e maravilhosas luas.


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