De perto ninguém é
Este ano comemora-se o Ano
Internacional da Astronomia. Muita gente dá de ombros quando sabe disso.
Afinal, é normal achar que essas coisas do céu têm mais a ver com uns
incorrigíveis tantãs.
Nem tanto.
Esta comemoração baseia-se nos 400
anos da invenção do telescópio (ou da adaptação deste instrumento por Galileu).
Com a utilização do telescópio,
Galileu pôde observar outros planetas e conseguiu perceber o movimento de
pequenos astros em volta de Júpiter. Uma grande descoberta. Com aquela visão,
Galileu balançou as estruturas medievais, as certezas imutáveis defendidas pela
igreja. Ali, havia um testemunho claro de que nem tudo girava em torno da Terra
(as luas de Júpiter giravam em torno de Júpiter). A Terra não era, então, o
centro do universo. Aí já viu, né. Foi aquele quiproquó. Um para pra acertar
que levou Galileu às barras da Inquisição.
A importância do telescópio,
porém, vai além da simples observação do céu noturno. O telescópio inaugurou um
momento histórico em que o homem se utiliza de intermediários tecnológicos para
entender melhor o mundo. É a partir da utilização do telescópio (quando a gente
começa a ver o infinitamente grande) que o mundo dos sentidos começa a ser
questionado mais severamente. Começamos a desconfiar, a partir daí, que há
cores, sons, texturas, sabores, odores que existem, nos rodeiam, mas não os
conseguimos perceber somente com os sentidos. Desde então, o homem entendeu que
para se integrar a este mundo que vai além das sensações, deveria admitir a
necessidade de mediações, de instrumentos capacitados não só para localizar os
fenômenos, mas também para medi-los (e o termômetro que usamos para medir a
febrinha dos nossos filhinhos nos é revelador da validade deste entendimento).
Essa coisa de ultrapassar os
sentidos me encanta. Não fosse por esta ousadia de Galileu, até hoje o sol
estaria girando em torno da Terra. Uma questão deveras grandiosa porque, sem
dúvida, é muito difícil de ser comprovada.
A teoria do heliocentrismo, aquela
que diz que a Terra gira em torno do sol, não é propriedade de Galileu. Vem dos
gregos, de Copérnico, Kepler e deu fogueira pra muita gente. Tinha indícios de
verdade, mas demorou para ser confirmada (foi demonstrada apenas em 1851 por Jean
Bernard Léon Foucault, com o famoso pêndulo). Sabe por quê? Porque
subordina-se, inevitavelmente, a que os olhos vêem.
Todos os dias de manhã, o que
vemos é o sol nascer no horizonte leste e depois, caminhar (andar, mover-se)
obediente pelo céu até desaparecer no horizonte oeste. É isso que os nossos
sentidos nos dizem. Se a gente for ver direitinho, não há como pensar o
contrário. Pode reparar, fazer o teste. Difícil fugir desta sugestão, né? Por
isso é que Galileu, que não era besta nem nada, abjurou. Não tinha como provar
o heliocentrismo.
Às vezes, eu amanheço os dias
vivendo o século 17. Olho o sol nascente e admito a Terra como sendo o centro
de tudo. Não muda muita coisa, não. A vida segue normalmente, com as vérsias e
as controvérsias rotineiras. O meu suor escorre do mesmo jeitinho nas lidas
operárias e a minha conta bancária não se bandeia para o lado direito da reta
real (muito pelo contrário: insiste em pertencer, em estar contida no conjunto
dos números inteiros não positivos). Mas, no correr da luta, reconsidero. Ao
anoitecer, apanho o meu telescópio, que vive encostado ali no canto, esperando
um sinal dos céus e miro o infinito neste milênio cheio de surpresas e
decisões.
Por estas lentes companheiras,
‘minhas retinas tão fatigadas’ têm esperanças de, um dia, descobrir outras e
maravilhosas luas.
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