sábado, 2 de abril de 2016

Coelhinho da Páscoa
Segundo os especialistas, não existem coelhos silvestres na Amazônia...
Era um tempo desse de Páscoa chuvosa em Altamira. A mata muito igual, o silêncio dos dias e das noites, o medo, o frio. A solidão e a desesperança na margem desabitada do Xingu. Neste cenário da densa floresta foi que o milagre aconteceu.
Heleno passou exatos quinze dias perdido. Trabalhava em uma equipe exploratória. Fazia parte de um projeto daqueles que os trens e tereréns eram carregados na mochila. O trabalho deles, normalmente, iniciava em um vértice de rio. Subiam até a nascente, varavam na cabeceira de outro e dali, faziam o trajeto inverso. Desciam. Foi numa dessas descidas que ele se perdeu.
A equipe tornou ao ponto combinado na Transamazônica sem ele. Disseram que fizeram incursões ao largo, muito barulho, gritaram. Ao cair da noite, desmancharam as mochilas, ataram as redes nos pés de pau, lançaram a lona e esperaram. Ao amanhecer, nem sinal. Estavam sem suprimentos e, perto do resgate, decidiram sair e procurar ajuda.
Foi uma verdadeira cruzada. Todas as equipes do projeto. Especialistas. Índios. Todo mundo atrás do Heleno. Até os mandingueiros da região formaram grupo. Tinham um jeito especial de procurar. Alinhavam-se aos sinais da natureza. Encostavam o ouvido no chão, demoravam-se ali. Conversavam com as árvores. Batiam com varinhas finas na lâmina d’água de igarapés rasos. Nada. Helicópteros, lanchas, exército, escoteiros. Sinalizadores barulhentos. E Heleno perdido.
Uma semana depois, admitiu-se o pior. As turmas foram desfeitas. Uma missa foi encomendada pela família.
Heleno já era a lembrança de um grande mistério, quando, no décimo quinto dia, reapareceu numa fazenda já nos domínios de Brasil Novo.
É provável que uma ou duas turmas de resgate tenham chegado bem pertinho dele. Ele mesmo contou que conseguia perceber ruídos próximos, alaridos, facão cortando a mata.
Durante todo o tempo na floresta, alimentou-se de frutas silvestres, raízes, pequenos animais que matava a pauladas e comia cru. Os mantimentos que levava na mochila acabaram logo. Dormia sempre em galhos altos das árvores. Tinha medo de onça. Não sabe por que não foi encontrado; ou por que não achou logo uma saída.Tinha experiência. Conhecia os macetes.
Sabe que na última noite, um bichinho que ele diz ser um coelhinho, branquinho, iluminado pela luz da lua cheia, apareceu embaixo da árvore que ele escolhera para dormir. Sem motivo que explicasse, desceu da árvore e seguiu o coelhinho. Andou a noite toda.Vez por outra o coelhinho parava, roía um coquinho do chão  e deixava um restinho para trás. Heleno pegava da terra cinzenta e comia os restos deixados pelo coelho. Isso o fazia forte, resistente.
O domingo já clareando. Ele não mais avistava o coelho pelas veredas, mas continuou caminhando, parece que já sabia o rumo do milagre. O sol de Páscoa já ia alto, ele desnutrido, desidratado, descalço e com vários ferimentos pelo corpo, foi encontrado por moradores da fazenda. Outra missa para Heleno, desta feita, de agradecimento, foi encomendada.


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