Coelhinho da Páscoa
Segundo os especialistas, não
existem coelhos silvestres na Amazônia...
Era um tempo desse de Páscoa
chuvosa em Altamira. A mata muito igual, o silêncio dos dias e das noites, o
medo, o frio. A solidão e a desesperança na margem desabitada do Xingu. Neste
cenário da densa floresta foi que o milagre aconteceu.
Heleno passou exatos quinze
dias perdido. Trabalhava em uma equipe exploratória. Fazia parte de um projeto
daqueles que os trens e tereréns eram carregados na mochila. O trabalho deles,
normalmente, iniciava em um vértice de rio. Subiam até a nascente, varavam na
cabeceira de outro e dali, faziam o trajeto inverso. Desciam. Foi numa dessas
descidas que ele se perdeu.
A equipe tornou ao ponto
combinado na Transamazônica sem ele. Disseram que fizeram incursões ao largo,
muito barulho, gritaram. Ao cair da noite, desmancharam as mochilas, ataram as
redes nos pés de pau, lançaram a lona e esperaram. Ao amanhecer, nem sinal.
Estavam sem suprimentos e, perto do resgate, decidiram sair e procurar ajuda.
Foi uma verdadeira cruzada.
Todas as equipes do projeto. Especialistas. Índios. Todo mundo atrás do Heleno.
Até os mandingueiros da região formaram grupo. Tinham um jeito especial de
procurar. Alinhavam-se aos sinais da natureza. Encostavam o ouvido no chão,
demoravam-se ali. Conversavam com as árvores. Batiam com varinhas finas na
lâmina d’água de igarapés rasos. Nada. Helicópteros, lanchas, exército,
escoteiros. Sinalizadores barulhentos. E Heleno perdido.
Uma semana depois, admitiu-se
o pior. As turmas foram desfeitas. Uma missa foi encomendada pela família.
Heleno já era a lembrança de
um grande mistério, quando, no décimo quinto dia, reapareceu numa fazenda já
nos domínios de Brasil Novo.
É provável que uma ou duas
turmas de resgate tenham chegado bem pertinho dele. Ele mesmo contou que
conseguia perceber ruídos próximos, alaridos, facão cortando a mata.
Durante todo o tempo na
floresta, alimentou-se de frutas silvestres, raízes, pequenos animais que
matava a pauladas e comia cru. Os mantimentos que levava na mochila acabaram
logo. Dormia sempre em galhos altos das árvores. Tinha medo de onça. Não sabe
por que não foi encontrado; ou por que não achou logo uma saída.Tinha
experiência. Conhecia os macetes.
Sabe que na última noite, um
bichinho que ele diz ser um coelhinho, branquinho, iluminado pela luz da lua
cheia, apareceu embaixo da árvore que ele escolhera para dormir. Sem motivo que
explicasse, desceu da árvore e seguiu o coelhinho. Andou a noite toda.Vez por
outra o coelhinho parava, roía um coquinho do chão e deixava um restinho para trás. Heleno pegava
da terra cinzenta e comia os restos deixados pelo coelho. Isso o fazia forte,
resistente.
O domingo já clareando. Ele não
mais avistava o coelho pelas veredas, mas continuou caminhando, parece que já
sabia o rumo do milagre. O sol de Páscoa já ia alto, ele desnutrido,
desidratado, descalço e com vários ferimentos pelo corpo, foi encontrado por
moradores da fazenda. Outra missa para Heleno, desta feita, de agradecimento,
foi encomendada.
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