Estou canso de dizer
O
maior medo que senti, no tempo que virava esta Pedreira do hio ao chio lá pela
alta madrugada, foi do Chupa-chupa. Eu juro que vi a nave bem em cima do meu
cocuruto e cheia de más intenções. Se eu não sou rapaz e me jogo no capinzal
que se espalhava por toda a margem da Pedro Miranda, essas alturas do
campeonato, eu estava dominado, chipado e com o sangue verdinho correndo nas veias. Mas olha,
encarei os aliens, dei um guiza neles e escapei na caté. Acho que até hoje
estão fuçando cada palmo de matinho, atrás de mim. Mas quando que vou me deixar
lobotomizar.
Estou
canso de dizer que medo mesmo, só este. Mas talvez tenha que atualizar esta
minha certeza, esta minha precisão, para vários cantos e encantos deste Pará
velho. O que está acontecendo em Barcarena, por exemplo, é motivo para rever
conceitos.
Nos
primeiros anos que morei na Vila dos Cabanos, a gente dormia até com as janelas
abertas. Esta sensação de segurança durou por um bom tempo. Mal a gente ouvia
falar de uma ocorrência aqui, um flagrante num descuidista ali. Naquela época, era
comum a gente ir para a praia do Caripi de bicicleta, tomando um atalho pelo
meio do mato. Era o chamado ‘furo’. Encurtava o caminho, mas não era esse o
atrativo principal. O barato mesmo era a aventura na trilha, as curvas
fechadas, os desníveis, o salto radical por cima das grandes raízes que
cortavam o caminho.
Por
causa do meu trabalho de turno, era comum combinarmos uma confraternização após
a jornada da noite. Chegava às sete em casa, trocava de roupa, pegava minha
bike e partia para a praia. Na ida, tudo bem. Tudo sobre controle. A bronca era
na volta, depois de umas quantas rodadas de cerveja e a soma ferina do cansaço
pelo sono perdido. Era a conta pra cabeça rodar. E lá me abalava eu de bike, de
volta, pelo furo. A vista turvava, a mata girava, um tombo na curva fechada,
aquela queda básica dentro da maior poça de lama que tinha por lá. Nada, porém,
que afetasse de forma séria, minha integridade. Mais ainda porque o local era
bastante movimentado e sempre tinha um parceiro de trabalho, um conhecido da
vila que, ao me encontrar em apuros, me ajudava. Se me via cair fora da trilha,
me reconduzia à bicicleta, me dava a direção e me devolvia à aventura.
Quando
eu era da direção do Sindicato dos Químicos de Barcarena, fizemos uma
programação ecológica no furo. Mapeamos, fotografamos, coletamos solo, registramos
espécies de árvores, inventariamos o caminho. Parece que a gente estava
adivinhando.
O
‘furo’ foi definhando. Primeiro, ficando inseguro. Não dava mais para se
aventurar. Tivemos várias ocorrências de assaltos violentos. Depois,
desaparecendo para dar lugar a uma ocupação. Não se reconhece mais o traçado do
furo. Ele se confunde com o caos urbano agora. E não se faz mais aquele trajeto
sem que o medo esteja presente.
Estou
canso de dizer que medo, só do Chupa-chupa. Mas é chegado o momento de rever
esta minha certeza, esta minha precisão, inclusive aqui, pras bandas da
Pedreira. Dormir de janela aberta, nem pensar.
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