sábado, 16 de abril de 2016

crônica da semana - estou canso pedreira

Estou canso de dizer
O maior medo que senti, no tempo que virava esta Pedreira do hio ao chio lá pela alta madrugada, foi do Chupa-chupa. Eu juro que vi a nave bem em cima do meu cocuruto e cheia de más intenções. Se eu não sou rapaz e me jogo no capinzal que se espalhava por toda a margem da Pedro Miranda, essas alturas do campeonato, eu estava dominado, chipado e com o sangue  verdinho correndo nas veias. Mas olha, encarei os aliens, dei um guiza neles e escapei na caté. Acho que até hoje estão fuçando cada palmo de matinho, atrás de mim. Mas quando que vou me deixar lobotomizar.
Estou canso de dizer que medo mesmo, só este. Mas talvez tenha que atualizar esta minha certeza, esta minha precisão, para vários cantos e encantos deste Pará velho. O que está acontecendo em Barcarena, por exemplo, é motivo para rever conceitos.
Nos primeiros anos que morei na Vila dos Cabanos, a gente dormia até com as janelas abertas. Esta sensação de segurança durou por um bom tempo. Mal a gente ouvia falar de uma ocorrência aqui, um flagrante num descuidista ali. Naquela época, era comum a gente ir para a praia do Caripi de bicicleta, tomando um atalho pelo meio do mato. Era o chamado ‘furo’. Encurtava o caminho, mas não era esse o atrativo principal. O barato mesmo era a aventura na trilha, as curvas fechadas, os desníveis, o salto radical por cima das grandes raízes que cortavam o caminho.
Por causa do meu trabalho de turno, era comum combinarmos uma confraternização após a jornada da noite. Chegava às sete em casa, trocava de roupa, pegava minha bike e partia para a praia. Na ida, tudo bem. Tudo sobre controle. A bronca era na volta, depois de umas quantas rodadas de cerveja e a soma ferina do cansaço pelo sono perdido. Era a conta pra cabeça rodar. E lá me abalava eu de bike, de volta, pelo furo. A vista turvava, a mata girava, um tombo na curva fechada, aquela queda básica dentro da maior poça de lama que tinha por lá. Nada, porém, que afetasse de forma séria, minha integridade. Mais ainda porque o local era bastante movimentado e sempre tinha um parceiro de trabalho, um conhecido da vila que, ao me encontrar em apuros, me ajudava. Se me via cair fora da trilha, me reconduzia à bicicleta, me dava a direção e me devolvia à aventura.
Quando eu era da direção do Sindicato dos Químicos de Barcarena, fizemos uma programação ecológica no furo. Mapeamos, fotografamos, coletamos solo, registramos espécies de árvores, inventariamos o caminho. Parece que a gente estava adivinhando.
O ‘furo’ foi definhando. Primeiro, ficando inseguro. Não dava mais para se aventurar. Tivemos várias ocorrências de assaltos violentos. Depois, desaparecendo para dar lugar a uma ocupação. Não se reconhece mais o traçado do furo. Ele se confunde com o caos urbano agora. E não se faz mais aquele trajeto sem que o medo esteja presente.

Estou canso de dizer que medo, só do Chupa-chupa. Mas é chegado o momento de rever esta minha certeza, esta minha precisão, inclusive aqui, pras bandas da Pedreira. Dormir de janela aberta, nem pensar.

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