sexta-feira, 15 de julho de 2011

crônica da semana - Passeio ecológico

Coisa de dez anos atrás, na época em que eu era dirigente do Sindicato dos Químicos de Barcarena, tive um insight e fiz um projeto de Passeio ecológico no trecho de mata que ligava a Vila dos Cabanos à praia do Caripi (eu era um sindicalista meio doidão, um tanto irado, mas  tinha lá, o meu lado sensível, perscrutador de ‘corações e mentes’).
Este caminho que levava à praia do Caripi tinha mesmo este mix de ‘coração e mente’, de matéria e sentimento. Era conhecido por nós como o ‘furo’ (numa alusão ao segmento de água, muito comum aqui no estuário, que liga dois igarapés). Iniciava nos limites da Vila dos Cabanos, se estendia por 400 metros, aproximadamente, e desembocava na estrada, já bem pertinho da praia. Rola a emoção, quando a gente fala do ‘furo’ porque aquela trilha regeu as aventuras de algumas gerações aqui da Vila. Era o nosso orgulho, vencer os obstáculos naturais dispostos pelo caminho. A garotada se divertia conduzindo as bikes por entre ladeiras escorregadias, raízes expostas, vales suaves, regos e igarapés, e, saindo vitoriosa do outro lado pronta prum mergulho.
O barato era juntar uma turma e ir de bike para o Caripi, ‘pelo furo’, num sábado de manhã. Eu fiz este caminho umas quantas vezes. Da minha casa até a praia, dava no máximo uns 15 minutos pedalando (é bem verdade que na volta eu demorava mais um pouquinho. Depois de umas gegés e um solão no cocuruto, ficava meio azuruote. Mas sempre chegava bem e feliz).
Estas emoções, as gerações que por ali passaram, a animação da garotada; as estripulias de nosotros operários, nos dias de folga; o contato com a mata fria; o pequeno laguinho lamacento que sempre me derrubava da bike; o barranco de pedrinhas vermelhas, logo na saída do furo; a árvore que caiu e que a gente fez um desvio (mais um desafio)...Estes são vieses sentimentais que marcam a nossa memória e a nossa história ‘pelo furo’. Todos, porém, moldados dentro de uma esfera bem elaborada ecologicamente, ambientalmente ordenada, funcionalmente equilibrada, com cada coisa em seu devido lugar.
O objetivo do Passeio ecológico foi ratificar este caráter sentimental, e demonstrar o apreço que nós, moradores da Vila dos Cabanos tínhamos com aquele pequeno trecho de mata. Levamos para o passeio, personagens tradicionais da Vila, usuários do caminho, crianças... Levamos poesia, música, bom humor, um lanchinho, esperança e muita vontade de preservar aquele lugar (levamos saco de lixo e nos dividimos catando os detritos que a gente achava ao longo da caminhada).
Havia uma realidade ‘funcional’ no estirão do ‘furo’. Convidamos professores, educadores, fizemos interações interdisciplinares. Soubemos do caráter histórico da região pelas palavras do professor Hélio Santos; nos encantamos com a plástica e as cores vivas da natureza, através da arte de Cristina Tobias; conhecemos aspectos do solo, a partir das explicações do professor Afonso Rodrigues; herdamos da Engenheira florestal Zilma Patrícia a missão de pronunciarmos nomes como Dioclea virgata, Miconia ciliata burth, Byrsonima aerugo sagot (Mucunã, Maria-pretinha e Muruci-da-mata, respectivamente, algumas das espécies identificadas e catalogadas pela engenheira, naquele passeio).
O Passeio ecológico resultou numa cartilha ilustrada pelo artista cabano Humberto Rodrigues. Achei esta cartilha nas minhas coisas, por esses dias. As espécies, o traçado, o vale suave, as aventuras de sábado, só existem, hoje, na cartilha. Tudo o mais se foi. Professora Sônia Etrusco, que também estava no Passeio, previu o cenário atual em versos dolorosamente verdadeiros: “É um, são dois, são mil/desmatando a floresta/Cadê? Sumiu”.


Um comentário:

  1. oi sodré, eu já ouvi falar desse caminho, mas nunca fui. hoje, acho que deve ser bem diferente de quando vc ia com o pessoal e também deve ser perigoso. tem coisas que a gente tem que aproveitar enquanto tem tempo, porque depois acaba. boa semana.

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