sábado, 1 de junho de 2013

crônica da semana - TV

Deu na TV
Dia desses ao sair pro trabalho, antes das seis da manhã, parei um instante em frente de casa, esperando o dia clarear um pouquinho mais e me deparei com uma cena, no mínimo, curiosa: um pequeno vinha caminhando ali das bandas da Pedro Miranda carregando uma TV. Uma televisãozinha, de tubo ainda, dessas que mais não há no comércio varejista para venda. Jovem. Um boné surrado, camisa escura de botão assim meio troncha, bermuda frouxa descaída dos quadris. Veio no meu rumo. Passou por mim com a maior tranquilidade, continuou no seu vagar desacelerado, no sentido da Marquês e sumiu no horizonte limitado pelas árvores do passeio público.
Fiquei matutando aquela parada. A primeira conclusão que me bateu, é que era um ladrão desengonçado transportando o apurado da madrugada. Pode ser, pode ser, afinal, quem, ainda sob o claro-escuro do amanhecer, sai por aí com uma televisão nos braços? O que faria uma pessoa abraçar-se a um aparelho, já quase obsoleto, e desvairar pela beirada do canal sob o latido nervoso de cães de guarda e a espreita de operários em tempo de sair pro trabalho? Depois do caso passado, ainda reino na apuração: só pode ser ladrão, aquele pequeno, e pela qualidade do produto roubado, um roubador da pior espécie, daqueles que rouba pobre bem pobrinho.
Embora eu traga comigo quase que noventa por cento de certeza de que aquilo era um surrupio abjeto, ainda tenho uma ponta de dúvida, porque a mim, causou estranheza a serenidade daquele caminhar. Um desenvolver-se quase impassível, destemido; um passeio cadente ao amanhecer ante o chilrear dos primeiros pássaros e o bucolismo circunstante do canal da Pirajá. Penso que para situações limites como as de roubo, o camarada estaria um pouco mais acelerado, olhando para os lados, atentos aos latidos, aos movimentos, ao morador que faz ranger o portão na hora de sair de casa, aos carros eventuais que passavam na avenida. Pra mim, ladrão que é ladrão, rouba e corre. A ausência de aperreio, daquela carreira famosa de ladrão, ocasião em que ele sempre perde uma banda da chinela, me deixou no vácuo de uma conclusão segura; de uma definição para o caso, sem dolo, sem preconceito, sem deslizes, sem condenações compulsórias.
E tô aqui me batendo até hoje com aquela cena. O que fazia aquele pequeno, antes das seis da manhã, com aquela televisão no colo, em plena margem do canal da Pirajá? O que será, meu pai?
O que torna e o que deixa neste papo é que todo mundo me ralhou dizendo que eu deveria ter chamado a polícia e coisa e loisa porque na certa era um ladrão. Eu, heim, poderia estar cometendo uma injustiça. E se o pequeno estivesse levando a TV para um parente internado num hospital que não conta com este mimo? Podia até ser ladrão, mas era um ladrão do avesso, assimétrico. Dissolvido em uma lógica que não conheço.
O que eira e o que beira neste caso é este entrelaçamento de pechas: periferia, pequeno desengonçado, boné surrado, beira de canal, ‘galos, noites e quintais’...televisão de tubo. O que vinga é que na esteira, das especulações, vem logo a rima, a dedução simples: é ladrão.
Esta semana fui na TV. Fui dar uma entrevista falando do meu livro e aproveitei para divulgar alguns projetos que tenho para novas publicações.
O que corta e o que ara nestes casos é que a televisão esteve presente na minha vida de duas maneiras, nesta semana. De um jeito, retratando o enigma de um eletroeletrônico passeando em braços suspeitos. Do outro, na minha assunção dos alagados da Pedreira para os lumes das câmeras de TV. Ambos os jeitos, aos seus termos, expressando conquistas.


Um comentário:

  1. ultimamente estou vendo tantos ladrões bem vestidos que até desconfio que a pessoa que você viu não roubou a tv. devia tá levando pra algum lugar antes de ir para o trabalho, quem sabe pro conserto, a casa de um parente, sei lá. vai saber né?!!!

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