Deu
na TV
Dia desses ao sair pro trabalho, antes das seis da
manhã, parei um instante em frente de casa, esperando o dia clarear um
pouquinho mais e me deparei com uma cena, no mínimo, curiosa: um pequeno vinha
caminhando ali das bandas da Pedro Miranda carregando uma TV. Uma
televisãozinha, de tubo ainda, dessas que mais não há no comércio varejista
para venda. Jovem. Um boné surrado, camisa escura de botão assim meio troncha,
bermuda frouxa descaída dos quadris. Veio no meu rumo. Passou por mim com a maior
tranquilidade, continuou no seu vagar desacelerado, no sentido da Marquês e sumiu
no horizonte limitado pelas árvores do passeio público.
Fiquei matutando aquela parada. A primeira conclusão
que me bateu, é que era um ladrão desengonçado transportando o apurado da
madrugada. Pode ser, pode ser, afinal, quem, ainda sob o claro-escuro do
amanhecer, sai por aí com uma televisão nos braços? O que faria uma pessoa
abraçar-se a um aparelho, já quase obsoleto, e desvairar pela beirada do canal
sob o latido nervoso de cães de guarda e a espreita de operários em tempo de
sair pro trabalho? Depois do caso passado, ainda reino na apuração: só pode ser
ladrão, aquele pequeno, e pela qualidade do produto roubado, um roubador da
pior espécie, daqueles que rouba pobre bem pobrinho.
Embora eu traga comigo quase que noventa por cento de
certeza de que aquilo era um surrupio abjeto, ainda tenho uma ponta de dúvida,
porque a mim, causou estranheza a serenidade daquele caminhar. Um
desenvolver-se quase impassível, destemido; um passeio cadente ao amanhecer
ante o chilrear dos primeiros pássaros e o bucolismo circunstante do canal da
Pirajá. Penso que para situações limites como as de roubo, o camarada estaria
um pouco mais acelerado, olhando para os lados, atentos aos latidos, aos
movimentos, ao morador que faz ranger o portão na hora de sair de casa, aos
carros eventuais que passavam na avenida. Pra mim, ladrão que é ladrão, rouba e
corre. A ausência de aperreio, daquela carreira famosa de ladrão, ocasião em
que ele sempre perde uma banda da chinela, me deixou no vácuo de uma conclusão segura;
de uma definição para o caso, sem dolo, sem preconceito, sem deslizes, sem
condenações compulsórias.
E tô aqui me batendo até hoje com aquela cena. O que
fazia aquele pequeno, antes das seis da manhã, com aquela televisão no colo, em
plena margem do canal da Pirajá? O que será, meu pai?
O que torna e o que deixa neste papo é que todo mundo
me ralhou dizendo que eu deveria ter chamado a polícia e coisa e loisa porque
na certa era um ladrão. Eu, heim, poderia estar cometendo uma injustiça. E se o
pequeno estivesse levando a TV para um parente internado num hospital que não
conta com este mimo? Podia até ser ladrão, mas era um ladrão do avesso,
assimétrico. Dissolvido em uma lógica que não conheço.
O que eira e o que beira neste caso é este
entrelaçamento de pechas: periferia, pequeno desengonçado, boné surrado, beira
de canal, ‘galos, noites e quintais’...televisão de tubo. O que vinga é que na
esteira, das especulações, vem logo a rima, a dedução simples: é ladrão.
Esta semana fui na TV. Fui dar uma entrevista falando
do meu livro e aproveitei para divulgar alguns projetos que tenho para novas
publicações.
O que corta e o que ara nestes casos é que a televisão
esteve presente na minha vida de duas maneiras, nesta semana. De um jeito,
retratando o enigma de um eletroeletrônico passeando em braços suspeitos. Do
outro, na minha assunção dos alagados da Pedreira para os lumes das câmeras de
TV. Ambos os jeitos, aos seus termos, expressando conquistas.
ultimamente estou vendo tantos ladrões bem vestidos que até desconfio que a pessoa que você viu não roubou a tv. devia tá levando pra algum lugar antes de ir para o trabalho, quem sabe pro conserto, a casa de um parente, sei lá. vai saber né?!!!
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