segunda-feira, 10 de junho de 2013

crônica remix= pé de cachimbo

Domingo pé-de-cachimbo
A cena acontece em tantos lares: ele chega de qualquer canto. Cansado, chateado com os descaminhos da vida. Preocupado com o pão do dia seguinte, com o trabalho e com o estresse da lida de operário. Com a fumaceira que imperou no último verão e com as novidades que (literalmente) aquecem as discussões sobre as mudanças climáticas. Com as peraltices dos meninos maluquinhos do planalto central do Brasil...Ele chega querendo um sossego já que a turbulência social no Paquistão o está tirando do sério. E os reféns das Farc, quando vão ser libertados?
Ele chega tomado por uma ira santa. Afogado nas desilusões e chateações provocadas pelo seu querido bicola que, ora ora, um dia vai tomar jeito. Ele chega, de qualquer canto, das esquinas da razão, atormentado. Com o humor meio lá, meio cá. E como se não bastasse a certeza sobre um futuro incerto, tem que se aviar com o desconforto daquele calo abjeto e aguado a avacalhar o bordado cheio de estilo da meia de passeio. Oh, Deus, quanta provação!
Anuviado, desaba sobre o sofá. Tenta relaxar. Um fiu fiu desafinado é o sinal para que o totó lhe traga os chinelos (cachorrinho esperto!). De passagem,   o filho do meio dá um clique no aparelho de TV, atendendo-lhe o pedido repleto de ansiedade...E nada. A não ser um minúsculo e embaciado ponto branco no centro da tela. A não ser o silêncio sepulcral, a não ser a nociva indiferença eletro-eletrônica.
Aquela tarde de domingo, letárgica, sonolenta e preguiçosa é, então, sacudida por um grito assustador, seguido de um gemido doloroso e, por fim, por um palavrão indignado, daquele tamanho.
Todos acorrem ao homem, já à beira da síncope. Um fio de voz denuncia a causa de tamanho sofrimento: a TV. A televisãolzinha...A única coisa que o distraía, que o divertia. O passatempo precioso. ‘mai préssscios, mai préssscios’! Quebrou...esbandalhou. Não acende nada. Não diz um ai.
Os olhos atônitos voltam-se para o aparelho e entreolham-se em dúvida. A quem socorrer neste momento? O homem ou a televisão? Decidem pelo homem, mas a TV precisa de cuidados e o filho mais velho corre até o aparelho para ver o que aconteceu.

Água com açúcar, álcool nos pulsos e nas frontes, uns abanos, um sopro solidário tangenciando a testa e palavras de conforto tentam reanimar o homem. A avó procura um consolo relembrando a velha Colorado RQ, a TV do rei Pelé, e diz que isso é passageiro, que depois de as válvulas esquentarem, tudo volta ao normal, e dá umas batidas enérgicas com o pé no chão da sala, pra ver ‘se a bicha pega’. Alguém sugere: “desliga e liga de novo. Às vezes, é só um mau contato”. Outro aponta que umas pancadinhas assim, devagarinho, no lado às vezes dá certo. Uma esperança. Ele arregala os olhos, tentando animar-se. Mas a coisa não anda. De lá do canto nobre da casa, o mais velho, que examinava a TV, dispara apocalíptico: “Axiiiiii, acho que foi o fleibeque”.
Um golpe duro. Certeiro. Irresistível.
O homem estrebucha. Uma baba verde espumosa desliza pelo canto da boca. O céu escurece. Trovões ressoam pelos quatro cantos. Clarões perigosos faíscam no horizonte. Tudo é muito confuso, ali, no espaço sagrado do sofá da sala. Nos estertores, nos últimos momentos de lucidez, ele clama: “Minha TV...Minha televisãozinha...”, e perde as forças.
O suor vem frio e abundante e o homem desmaia.

Alguém corre e liga pra assistência técnica.

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