quinta-feira, 15 de março de 2012

Crônica remix- zelda

No tempo da Zelda Scott
Nos tempos da Zelda Scott os aviões davam vôos rasantes sobre a grande baía afogando Ludugeros, risos e gaiatices. As meninas nasciam Ludmilas e lindas. As revistas eram as da Luluzinha. E os sambas tratavam de coisas doces e simples como a luz do sol ou as flores vermelhas.
Bons tempos os da Zelda. Os sonhos eram permeados de futuro. A realidade era recheada de passado e carros pretos e fortes. Os homens maus andavam de óculos escuros e eram lobos bobos perdidos no presente esperançoso das horas.
Tempos idos aqueles. O poder tinha a cara de velhos marinheiros e ninguém tinha medo. Nas ruas trafegavam carroças medievais rebocando corpos mártires e felizes. As águas do mar avançavam sobre a praia num evento holocênico e fértil. Os arrabaldes eram iluminados e solitários de amores. E os amores emanavam da penumbra sensual.
Nos tempos da Zelda as imagens eram meras idéias e as idéias eram quase nada na frente da TV. Aí a gente sofria um tanto. Por esses dias não existiam ainda os super-homens e a gente só tinha vizinhos e amigos legais e clandestinos; namoradas donzelas, recatadas e empoadas; mães tradicionais e jovens; pais introspectivos e infelizes desconhecidos. Irmãos abandonados e pálidos e um país verde e amarelo independente, doente, dolente, demente, vivendo da sorte meu povo feliz.
Bons tempos os da Zelda. A gente olhava mas não via e a vida corria nas veias pulsante, severina, vermelha de cabeça grande e corroída, nordestina, salvadora. Sem rir, sem falar, com as mãos ou sem elas. Ser ou não ser. Serececê. Eu por cima. Eu por baixo, nos tempos idos da Zelda Scott.
Naqueles tempos andava por aí um homem distribuindo bombons para as crianças das ruas. Fazia milagres o homem: multiplicava as guloseimas. Era bem visto aos olhos de Deus, o homem. O brilho nos olhos das crianças era faiscante, convincente. Mas ninguém percebia o bem na face do bom homem. Pedras, paus, gritos, pavor. O homem no chão, no céu, perdido no universo imenso. Por aí, vagando e sorrindo largo.
Nos tempos de Zelda Scott os meus olhos não marejavam com tamanho volume ou com tal freqüência como hoje. Os aviões ainda nos trazem desilusões, os homens são maus, ainda; o super-homem já era e ninguém distribui a doce vida às criancinhas. O que dirá, lá de longe, a sorridente Zelda Scott?  
(Em dezembro, a Globo exibiu Aline, uma comédia inspirada na personagem do cartunista Adão Iturrusgarai. O enredo trazia uma menina moderninha que dividia o coração entre dois namorados e por causa disso - e de outras e simpáticas cositas más- a mim, o programa, lembrou o espírito da juventude oitentista expresso na série Armação Ilimitada.
A série arrasou nos anos oitenta. Trazia o humor e a irreverência, valores que se sobrepunham decididos, às rabugices herdadas dos anos de governo militar. Inaugurava uma linguagem nova na televisão brasileira, com seqüências rápidas e inusitadas, mas descomplicadas, fáceis de entender; apresentava recortes de cenas harmonizados por uma sintaxe colorida, espontânea, liberta; sonorizados, sem temores, pelos ecos da luxúria urbana.
Ação e movimento nas lidas de Lula & Juba, Bacana, Ronalda, d’o Chefe e de uma impensada apresentadora vinda do clã dos Gil, temperavam os episódios. Toda a turma guiada pelas mãos mágicas do diretor Guel Arraes (depois dele, só o gaúcho Jorge Furtado de “O homem que copiava” e “Ilha das flores”, no cinema, se arvoraria a traçados tão acrobáticos com as imagens). E tinha a Zelda, que tinha dois namorados, que tinha um chefe completamente bilé e que esperançava sempre, bons tempos...). 

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