terça-feira, 20 de março de 2012

crônica remix- água

Saudade da água
Toda escola tem (antes tinha, não sei hoje) um hino (“nossa escola, Jarbas Passarinho que educa com orgulho e prazer/ vem agora cantar com carinho laraiá, laraiá, laraiá...”). Um clube de futebol tem (embora às vezes constituam mais um preciosismo cromático: “uma listra branca/outra listra azul...”; “atletas azulinos somos nós...”). As nações têm um hino (mesmo que os dizeres sejam abstrações inalcançáveis e o sujeito da oração, irreconhecível: “ouviram do Ipiranga as margens plácidas/de um povo heróico, o brado retumbante”).
Acho que o planeta também deveria ter um hino. Vou lançar aqui, o meu preferido. Proponho a canção “Planeta água” de Guilherme Arantes para representar os sentimentos de nosostros, seres de Gaia.
A música apareceu em 1981, e de lá pra cá arrebatou apaixonados fãs. Não foi a vencedora do Festival Shell daquele ano, ficou em segundo lugar. Mas para mim resiste como imperiosa mensagem ao longo do tempo.
É uma bela canção, meio hino ecológico, meio paixão desbragada; meio idílio árcade, meio contrato racionalista; meio excitação, meio embotamento; meio espera, meio solidão.
Tá bom, estou sendo passional. Tem a coisa do contexto. Tudo bem. Naquele ano, eu assisti àquela final apurpurinada, acompanhado de pessoas brilhantes sem as quais não vivo e nem viverei, como o meu padrinho Altair Rocha, ou o, hoje reverendo, Acir Conceição e com as aulas do Cláudio Barradas fervilhando incessantemente no meu cocuruto e aí, cabe a explicação da sugestão, do convencimento. Pode ser. Mas, talvez, nem tanto. Sei lá.
Naqueles tempos, nos postávamos diante da televisão com uma cartilha draconianamente revolucionária e os festivais funcionavam como válvula de escape. Deveriam traduzir inquietações. Quanto mais conflito, melhor.
Mas o mundo já estava mudando. Outros conceitos, que não entendíamos muito bem, instauravam-se. O próprio Walter Franco, que dois anos antes, agredira a hipocrisia formal e se desnudara em ‘uma dor canalha’, dessa vez, nos surpreendia com a intenção de ‘manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”.
‘Planeta água’ dali em diante, me serviu para um tudo. Eu estudava na Escola Técnica. No curso, havia umas cadeiras de Geologia, de Topografia, de Mineralogia. De modos que, para todos os trabalhos de escola a mim requeridos, eu fazia questão de incluir os versos do Guilherme Arantes. Embora a letra da canção atente mais para as influências da água nas nossas vidas, não escapa de ser um traçado evolutivo, de sobrevivência, incorporando indiretamente, todos os elementos da formação e manutenção dos sistemas que fazem a Terra girar sem parar.
Na época, o que chamava a atenção também, além dos versos compenetrados, era aquela melodia. Algo de dramático havia no arranjo musical. Acho que o Guilherme Arantes teve um insight, uma iluminação naqueles dias e anteviu as dificuldades que teríamos em tratar com o precioso líquido. Daí, a melodia ser um tanto triste  e ter um quê de saudade, de nostalgia, de vontade de estar perto.
Em Belém, a água das torneiras contradiz a formalidade conceitual: tem cheiro (algo parecido com cocô de galinha), tem gosto (indegustável, por sinal) e tem cor (amarelo-vergonha). E, ainda por cima, nos falta. Inconformidades que nos alertam para o tom dramático dos riscos que envolvem nosso planeta (que tem 2/3 da superfície ocupados por água).
Baixei um vídeo com “Planeta água”, depois daqueles dois dias de aridez em Belém. Todo dia assisto a um pedacinho para me purgar e para me inspirar um jeito que dê jeito neste mundo de contradições e saudades singularmente absurdas.

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