sexta-feira, 16 de março de 2012

crônica da semana - quem duvida

Quem duvida...

Eu pegava no braço dela. Ia avançando as mãos. Um pouco mais em cima. Explorava a pele com a ponta dos dedos. Topava uma covinha aqui, uma dobrinha ali. A pequena voando. Sem entender aquele fuçado. Até que dava um chega pra lá. Com um sorrisinho de reprovação perguntava o que significava aquilo. Eu respondia que não era nada. Gosto de pegar em braços macios, só isso. 
Mentira minha. Procurava, até aonde a nossa amizade permitia, e nas partes a mim concedidas ao tato, uma casquinha de ferida. Precisava encontrar um arranhãozinho, um golpinho cicatrizado, uma queimadura sarada, no corpo da menina, que eu pudesse sacar. Um nodulozinho coagulado que eu pudesse destacar uma lasquinha. Era uma missão, a mim delegada por um grande amigo que morria de amores por esta minha vizinha e colega da Escola Técnica. 
Quem duvida perde a vida, come casca de ferida. 
Ocorre que o meu amigo tava muito a fim da ‘guel’ como ele carinhosamente a tratava. Mas o clima não rolava. Tentara de tudo. Quer dizer, o tudo dele compreendia duas opções manjadas. Uma era convidar a pretendente para um domingo entregue às belezuras de Outeiro. A opção da praia não animou a moça.
A outra, era uma alternativa gastronômica. Tentou conquistar a menina pela boca e a convidou para uma pizza com guaraná, no China da Pedreira. A garota dispensou o programa dizendo que o point era contramão. Ela morava em Canudos, já na fronteira com a Terra Firme. A verdade é que a jovem não tinha um isso assim de interesse pelo meu amigo. Na escola, ela o evitava. Quando a galera se reunia para um violãozinho, embaixo do pé de buriti, ela passava o braço pela cintura de um felizardo, fazia caras e bocas cantando “olha a lua mansa a se derramar...me leva amor” e quando chegava na parte “quero ser seu par”, dava um selinho no acompanhante da hora. Só pra fazer o mal. Ele pirava com a mina. Surtava com aquela provocação. Mas ficava na dele. Curtia a desdita com a dramaticidade latente e o espírito romântico que o caso exigia. Morria por dentro. 
Um dia chegou com uma presepada. Eu, que era vizinho, deveria conseguir uma peça íntima dela. Era fácil. Era só atravessar a cerca e me oferecer para tirar a roupa do varal na hora da chuva. Ninguém recusa uma ajuda dessas. Ainda mais na hora do almoço. E lá fui eu. Consegui uma meia “Dancin’Days” igualzinha a que a Lídia Brondi usava na novela. Perguntei o que ele ia fazer. Limitou-se a dizer que, por amor, ele faria tudo (havia rumores que ali pra’s matas do agronômico havia uma mulher que ajeitava as coisas em tudo em quanto. Meu amigo mesmo já tinha me falado que fizera umas consultas por lá. Era certo que ele estava aprontando). 
Fosse que fosse a desobriga, falhou. O efeito foi contrário. A bela acabou se apaixonando por outro e vivia de flozô pelos escurinhos da Estrela. Meu amigo se abalou de novo pras bandas do agronômico. 
Saímos de férias. A ‘guel’ pegou o ‘Fé em Deus IV’ e passou julho inteirinho com o namorado em Óbidos (o tal Eduardo que tocava violão sob o miritizeiro e que, por causa da novela, reivindicava ser chamado de Eduardo Days). 
Quando retornamos, meu amigo voltou animado. Contou que dessa vez, ia dar certo. A Dona disse que se uma peça íntima não resolve, o jeito é apelar para a essência, mesmo que caraquenta. Daí a busca pela casca de ferida. 
Quem duvida perde a vida. Come casca de ferida. Não consegui a encomenda. Meu amigo formou-se em Edificações e nunca mais o vi. Soube dia desses, que minha vizinha, que nunca arriscou ir pra escola com um raladinho sequer no braço, casou com ele. E dizque, vivem felizes. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário