quinta-feira, 8 de março de 2012

crônica remix- amazonas

Na beira do Amazonas
O Amazonas é o maior rio do mundo. Em tudo. Em volume d’água (a vazão média, considerando a contribuição alternada dos afluentes, é de 200 mil metros cúbicos por segundo); em extensão (a última medição, utilizando a mais avançada tecnologia, levou a nascente do Amazonas até os paredões do nevado de Mismi, no Peru,   tecendo assim, uma tirazinha de lonjura a mais que o dadivoso Nilo); É grande também em encantos, descobertas, alegrias. Decisões.
Em Macapá, o rio Amazonas é majestoso. Desenha ao norte um braço que acaricia, pacifica, afaga os dias e as noites da Fazendinha, mas que também se agita em marés irrequietas e implacáveis lançantes.
Foi num final de tarde. De vento forte, ondas indomáveis, areinha saltitando aos olhos...sol se pondo lá longe...às margens mágicas do Amazonas, foi:
Os olhos da minha companheira algo oblíquos, como os de Capitu, fitavam um ponto no horizonte, ali pros lados doirados donde se punha o sol. Era um olhar distante e ao mesmo tempo perto. Um olhar que se perdia, ao léu, que se perguntava, que mergulhava nas profundezas da dúvida. Mas, logo se achava em certezas, se encontrava em futuros e me iluminava com aquela cintilação âmbar, com aquele fulgor rigoroso e comovente. Naquela tarde, tecíamos os delicados fios da nossa história.  Ponderações foram exercitadas. Estávamos no calor da juventude, cheios de desejos, ávidos por liberdade, apressados e irresolutos. Animados com uma fita K7 que tínhamos da Janis Joplin e que curtíamos, insanamente, entre quatro paredes; satisfeitos com a norma diária de não formalizar contas a ninguém e seguros de nos termos intensamente um ao outro.
Mas tínhamos a história, a tecer. Eu era ‘amamãezado’. E isso era um problema. Tinha um chamego com minha mãe. Era um grude, uma devoção. Minha companheira sabia que o compromisso assumido, provado e apregoado, iria impactar diretamente nesta relação, como de fato, ocorreu: minha mãe ficou enciumada que só ela.
Outros fatos nos aperreavam a alma. A idéia de constituir família, a formação de um lar, a lida diária para prover o sustento. Estes detalhes eram coisas longínquas para nós que, à época, éramos felizes com uma rede e um toca-disco, bens computados, exclusivamente, como as nossas mais estimadas posses. As coisas teriam que mudar.
Havia, porém, decisão naquele olhar que vagava mapeando os contornos do horizonte e desafiava o mosaico prateado do arrebol. Quando volvia a mim aquele olhar, depois de uma viagem por aquele lugar incerto onde o céu engole o rio-mar; quando minha companheira voltava para mim, aqueles olhos cor de mel, ela inundava meu coração com uma mensagem de carinho (e este doce olhar me vale até hoje, mais do que a pedra mais aquilatada que se possa lapidar).
Nosso primeiro filho começou a nascer naquele dia. A revolução das águas, a mística do meio do mundo, os grãozinhos de areia irritando os olhos e fazendo minha companheira chorar (pelo menos foi esta explicação que ela deu para as lágrimas que, aqui e ali, lhe caíam à face). Naquele tempo, não se usava dizer “discutir a relação”, de qualquer forma, estávamos às margens do extraordinário rio Amazonas, decidindo a nossa vida. Teríamos um bebê, nos apresentaríamos de fato e de direito à sociedade, contornaríamos uma ou outra cena de ciúme da mamãe, criaríamos vergonha e começaríamos a comprar umas coisinhas para o nosso lar. Isso foi há 18 anos.
(Neste 8 de março). Pensei num presente. Resolvi dar (à minha companheira), a lembrança daquela tarde maravilhosa.
O Amazonas é o maior rio do mundo. Em tudo.

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