Ouvir Sininhos (Apenas um Poema, Nada Além De)
Eu tenho mais que Assistir a um espetáculo de dança Às margens da
Guajará agitada Ao sol do entardecer E me encantar com a versão do corpo Para o
som do saxofone de Morelenbaun
Eu tenho mais que Experimentar uma cerveja nova Atinar para o som
de um instrumento musical tecido com chavinhas e pecinhas de metal E procurar a
paz
Eu tenho mais que Considerar, criteriosamente As possibilidades de
reconciliações urgentes Tenho que, definitivamente Resignar-me com os rachas inconciliáveis Fazer
pouco barulho E procurar ouvir sininhos
E depois Sempre depois do espetáculo de dança De melodia De pôr do
sol E da baía agitada Renascido Tenho que rever essas coisas de Reconciliações
e rachas Com generosidade E um descontinho providencial Para pequenos pecados E
tudo assim Convenientemente convencido Como prevê a emoção Ou deliberadamente
confuso Como admite a razão
Eu tenho mais que Passar uma tarde toda em casa Como há tempos não Convidar
a mulher, os pequenos Jogar o colchão de casal no chão E me divertir a valer Me
emboletar com as crianças Virar carambela em câmera lenta Contar piadinhas e
historinhas infantis Fazer gracinhas Interpretar o Lobo Mau “Psiu, psiu
Chapeuzinho, Sou eu, o guardião da floresta” E imitar O narrador do desenho
animado “Cuidado Jambo Cuidado Ruivão!”
Eu tenho mais que Numa noite dessas Sair por aí catando estrelas Aprendendo
histórias de estrelas Nomes de estrelas e constelações Órion, Plêiades, Sirius,
Antares, Aldebaran Canopus, Cão Maior Tenho mais que ser menor E mais humilde Que
a estrela de brilho mais tímido Me fazer eclipsado Contrariado Como a lua cheia
Mas tenho que, enfim, brilhar
Eu tenho mais que Entender o que é a água para mim A água da
torneira Da chuva Da poça da esquina Do riozinho Do oceano A água juvenil A
água benta A água rara Água ouro Prata e platina A água que Corre dos olhos
tristes Tenho que entender E cuidar
Tenho mais que Me virar todo santo dia Para ter o pão Mas tenho que
olhar pros lados E cultivar searas Trigais Calores humanos Alimentos e almas Tenho
mais que Cultivar a vida E a esperança no futuro
Eu tenho mais que Procurar ouvir sininhos Também, doce ilusão No
meu violão Me dedicar mais e aprender a tocar Ronda Tocar Rouge E um cult brega
Sem patrulhamentos ou Descortesias oportunistas
Tenho mais que Me ater a frivolidades românticas Mandar flores sem
quê nem Pra quê Uns bombonzinhos de chocolate finos Beijinhos na praça, mãos
dadas E um ursinho de pelúcia Com gravatinha borboleta De aniversário
Tenho mais que Desfiar o verbo amar Profusamente e Sob qualquer
circunstância Mesmo sob tortura Ou risco de vida Mesmo julgado E condenado pela
gramática Eu amo tu Eu amo tu Eu amo tu E ser feliz porque Tu ama eu.
Eu tenho mais que No domingo Descolado Desligado Sereno Livre Um
tanto santo Um tanto cego Um tanto atento Um tanto incerto Um tanto breve
Um outro tanto eterno
Neste dia Um tanto melodia Um outro tanto pôr do sol Neste dia Dia do Senhor Penitente Redivivo Tenho que Querer
viver Só de amor.
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