sábado, 25 de maio de 2013

crônica da semana - geólogos


Achados e perdidos


Foi num piscar de olhos. Sérgio Kleinfelder fazia o mapeamento da margem direita do rio Xingu. Martelo na mão, caderneta, bússola, imaginação, rigor científico. Eu o acompanhava. Neste dia, dispensei os guias e fiz questão de ir pro campo com o ele. Quis fazer as honras da equipe. É até hoje, um grande amigo. Um profissional refinado. Sabia que, com ele, estava agregando conhecimento. E no mais, era um bom papo ali, naquelas matas espessas e, até então, inexploradas. 
Mas foi num instante: Estava de olho no eixo da picada, quando ouvi o Sérgio martelando um bloco bem distinto de rocha um pouquinho pra dentro da mata. Não resisti à curiosidade e fui até ele. Baixei os olhos para ver direitinho as estruturas, os minerais e dar a atenção às informações que o geólogo me fornecia sobre aquele afloramento. Quando levantei os olhos, agora mais rico de saberes sobre o embasamento cristalino do Xingu, já era, estávamos, absoluta e irrevogavelmente, perdidos. 
Apelamos para a serenidade. Usamos as técnicas dos perdidos. Localizamos uma drenagem e seguimos o curso à jusante. Marcamos o caminho quebrando uns galhinhos, porque tudo parecia ser muito igual e seguimos a nossa prosa na paz, sem nos agoniarmos. Passamos por alagados, achamos outras rochas, localizamos o sol e confirmamos posição. Quando achamos uma picada, orientamos nosso mapinha e varamos certo na minha equipe que sondava um interflúvio. Passamos pela galera, altivos, presunçosos, como se o domínio das situações limites nos fosse íntimo. Recebemos um “tardes”, demos um “olá, como tão as coisas” e ganhamos o rumo do acampamento. “tardes”?, Já era de tarde? Passamos umas quantas horas perdidos e nem nos percebemos. 
Sérgio Kleinfelder, por esta passagem na nossa história, nos mostra com afinada veracidade como é a vida do geólogo. Um profissional que atua em ambientes emaranhados, diferenciados. Com o total controle de suas ações, amparado constantemente na razão, mas desmedidamente entusiasmado pelo que faz (mesmo perdidos, perceberam que narrei a investida de Sérgio, martelo em punho, a outros afloramentos). Diante da adversidade, de um desencontro momentâneo, onde o pânico, o desânimo ou mesmo a ansiedade por uma saída daquela mata, pudessem regrar a conduta, Sérgio quedou-se à natureza do pesquisador, do estudioso. Aproveitou estar perdido, para se achar. 
A vida me proporcionou estar junto desses caras admiráveis. Minha formação profissional me levou a atuar no campo da Geologia, como técnico. Depois, na Universidade cisquei, cisquei e cheguei até o 5º semestre do curso de Geologia (Nessa época conheci os capas, os deuses da Geologia no Brasil, aqueles ilustrados que eu pensava que só existissem nas bibliografias de grandes compêndios). Aliada então, a esta minha admiração pessoal, particular, pelos ‘médicos da terra’ (frase do Sérgio Kleinfelder), há em mim este bem fracionado que se reflete no fato de eu ser 50% geólogo. E esta parte do que sou é fundamental para definir meu jeito de ver (procurando simetrias), sentir e interpretar as artes do mundo e os engenhos da natureza. É um jeito d’eu me achar, quando estou perdido nas entranhas da dúvida ou da descrença. Na quinta-feira, a geologada está em festa, e como é feriado (não porque se comemora o dia do Geólogo, esclareço, mas bem que poderia ser) eu aqui já me convido pra essa gegé, porque geólogo, sabe-se, quando não está se perdendo e se achando, na densidade das matas; quando não está se maravilhando com a beleza e os mistérios interiores da Terra, sabe-se, geólogo, abonado pelo rigor mundano,  bebe. 

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