quarta-feira, 1 de maio de 2013

apresentação -roger


Apresentação

A volubilidade do rio contagia o homem.
A adaptação exercita-se pelo nomadismo;
Euclides da Cunha em: Amazônia – um paraíso perdido

Confesso: fui preparado para trilhas científicas, não para letras, mas aceitei o convite para esta “apresentação” por admirar o bom verbo. Como gentileza gera gentileza, debrucei-me sobre estas páginas que, no bojo, desvelam no tempo presente a relação híbrida de homem-espaço-linguagem: o Homo scribere e seu ethos.
Inicialmente, tal como cartógrafo, tracei o meridiano de Sodré no mapa-múndi. Vi nele, até chegar aqui, trajetória nômade em correnteza de rio. Os rios, na mesma tez de sua pele, infiltram seus poros e os barrancos tonificam suas veias até brotar palavras que sobranceiam cidades.
Da margem onde tudo começou está o mundo do rio Acre: Xapuri. De lá, Sodré arrumou as malas e, rio-acima-rio-abaixo, montou em proa de batelão e dobrou o Purus no rumo leste do Amazonas, prumo da Aurora. De permeio, andou por Rondônia admirando o estuário do Madeira; também pelo Xingu para ver encanto de gente, corredeira e diversidade do solo. Depois veio Macapá, onde degustou gengibirra ao ritmo do marabaixo até ficar taludo das ideias. Por fim aportou em Belém ao contornar, vento em popa, a Ilha do Marajó. Depois de arriar as malas nesta última margem, bateu sentimento. Viu ali sua aldeia e recostou a orelha para sentir o Ver-o-Peso arfar. Escutou sopro de vida. Por fim subiu no coletivo e parou em lugar onde casas e homens humildes deixam braços de rio escorrer por leitos de muitas pedras. Assim é a sua Pedreira, bairro.
De sulcar rio até sua aldeia, onde Sodré enterrou seu coração, nasceu “O rio do meu lugar”. A obra tem um narrador comum, de cidade, transmutado de DNA amazônico, cujo gene literário é incrustado de rio, cais e paragens. A partir desse mote, Sodré passa a conviver com seu locus carregando uma narrativa desamparada do vazio comum. Tal como nosso inverno, ora se vê rajadas polifônicas de Dalcídio Jurandir e Guimarães Rosa, ora é chuvisco prosificado repleto de tiradas ao modo de Rubem Braga e García Márquez, ilustres moradores de sua estante.
Para se ler “O rio...”, vista-se então de garimpeiro. No giro da bateia, a cada fitada de olho reluzirá uma pepita: o áureo verbo nativo. O livro deixa boiando o linguajar de um povo entregue ao vernáculo que parece impingir personalidade às palavras. Lembra um código filogenético baseado nas relações entre os habitantes do interior e da capital; de outrora e de hoje, cada qual com suas intervenções. Sem bulir e ainda respeitar o estereótipo alheio - o cabano-, a obra, repito, veio bem a calhar homem-linguagem-lugar como se fosse junção de rios, ou melhor, a própria Baia do Guajará como metáfora de “aprender novas palavras e tornar outras mais belas”, diria nosso Drummond. É a própria flor do grão petalada de linguagem jeitosa que se lambuza de domingo em plenas manhãs de sábado e sai encenando uma cidade em reconstrução arquitetônica, artística e lexicográfica. 
Portanto, só me resta esperar que os leitores sintam-se beneficiados, a modo de também permear pela simplicidade de um autor achegado à filologia diletante, dado o chamegoso realismo urbano bem-humorado.
Mergulhem fundo e se banhem dessa leitura. Lê-lo é afirmar que a palavra - distante da invenção da roda e próxima da descoberta do fogo - é a maior criação, recriação e recreação do homem. É magia, alumbramento.



Roger Normando
Médico acreano



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