segunda-feira, 27 de maio de 2013

Crônica remix- marcos e o pé de

Marcos e o pé de feijão



1 Eu vou ser sincero. Se eu fosse o coronel Marcos Pontes, a primeira coisa que aconteceria comigo, assim que eu pudesse mexer a minha falangeta, livre daquela cadeira do módulo, seria esquecer de tudo. Da missão, dos zilhões de dólares gastos, do nome dos meus camaradas russos, do feijãozinho. Feijãozinho, que feijãozinho? Depois de desembarcar na estação a minha preocupação maior seria achar a janelinha. Cadê a janelinha?
2 Ah, e iria me encantar por horas, dias, ali, debruçado na janelinha da nave, que nem a Januária do Chico Buarque, fitando a Terra lá de cima. Esquadrinhando o planeta azul a cada voltinha que ele desse, no seu caminhar silencioso de oeste para leste, atrás de cenários reconhecíveis: O Himalaia, lá s’está o Himalaia, os mares interiores da Europa, a revolução das águas no Cabo da Boa Esperança, a fantástica abertura do oceano Atlântico (sai daí nuvem, sai daí!), o Brasil, o Brasil! o recorte da ilha do Marajó, Belém, Belém! no seio da grande baía (e com uma certa imaginação, a Pedreira do samba e do amor), o serpenteio dos rios amazônicos e a exuberância da floresta, a arrogância dos Andes, Ah, as pacíficas águas Rapa-Nui. Os retalhos continentais da Oceania, os arcos de ilhas orientais, o tecido aporcelanado dos pólos...
3 Depois que já tivesse acompanhado as idas e vindas da Terra umas quantas vezes, daria um tempo para experimentar o barato da falta de gravidade. Flutuaria de um canto a outro, feito menino besta, e de passagem ainda tiraria um sarro do camarada russo 'ei, Pavel Vinogradov, ei Pavel, ah, se Newton visse isso. Ah, se ele visse, heim, Pavel!, diria enrolando a língua, afinal se aqui na Terra já é difícil pronunciar o nome do camarada, avalie lá em cima, sem uma atmosferazinha de pressão para ajudar.
4 E quando eu já estivesse irremediavelmente inebriado, consumido, de tanto prazer, daria um tempo para rebater tantas críticas à minha viagem. Tiraria do bolso o grãozinho de feijão e partilharia com os camaradas as experimentações científicas sobre a germinação do bichinho lá em riba. Pronto, daria um sorrisinho igual ao do comandante Marcos Pontes e posaria de herói.
5 É bem verdade que depois que eu voltasse à Terra, por questões óbvias, não poderia dar mais um passo além das fronteiras do Cazaquistão sob o risco de ser imolado, com toda razão, por um respeitado cientista brasileiro revoltado com tanta bandalha com o dinheiro público, mas aí, aí eu já teria realizado meu sonho.
6 Que puxa! Para a felicidade geral da Nação, eu não sou o Marcos Pontes, e ele, apesar do sorriso congelado nos lábios, levou bem a sério a história do feijãzinho, à revelia dos vácuos explicativos para aquela missão.
7 Mas me dou o direito ao sonho. Para quem as experiências com as alturas não passaram de umas caminhadas arriscadas pelos galhos das ameixeiras que grassavam nos quintais da Mauriti, umas visitas ao terraço do Manoel Pinto da Silva, e de uns vôos nervosos (pra não dizer aterrorizantes) pela TABA a baixa altitude, sonhar em entrar em órbita da Terra, ver o nosso blue planet lá de cima, viajar pelo espaço (ora, se um vôo pela TABA já era muita emoção, imagine uma Soyuz); flutuar sem gravidade, desconhecer o que é estar de cabeça para cima ou de cabeça para baixo, desamarrar-se do geotropismo, seria, sem dúvida uma experiência libertária.
8 Ver a Terra lá de cima...um sonho.
9 Mas em todo caso vou plantar um pé de feijão ali, no canto do alpendre, pode ser que, como na história do João, ele me leve até lá .

Nenhum comentário:

Postar um comentário