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1 Eu vou ser sincero. Se eu
fosse o coronel Marcos Pontes, a primeira coisa que aconteceria comigo, assim
que eu pudesse mexer a minha falangeta, livre daquela cadeira do módulo,
seria esquecer de tudo. Da missão, dos zilhões de dólares gastos, do nome dos
meus camaradas russos, do feijãozinho. Feijãozinho, que feijãozinho? Depois
de desembarcar na estação a minha preocupação maior seria achar a janelinha.
Cadê a janelinha?
2 Ah, e iria me encantar por
horas, dias, ali, debruçado na janelinha da nave, que nem a Januária do Chico
Buarque, fitando a Terra lá de cima. Esquadrinhando o planeta azul a cada
voltinha que ele desse, no seu caminhar silencioso de oeste para leste, atrás
de cenários reconhecíveis: O Himalaia, lá s’está o Himalaia, os mares
interiores da Europa, a revolução das águas no Cabo da Boa Esperança, a
fantástica abertura do oceano Atlântico (sai daí nuvem, sai daí!), o Brasil,
o Brasil! o recorte da ilha do Marajó, Belém, Belém! no seio da grande baía
(e com uma certa imaginação, a Pedreira do samba e do amor), o serpenteio dos
rios amazônicos e a exuberância da floresta, a arrogância dos Andes, Ah, as
pacíficas águas Rapa-Nui. Os retalhos continentais da Oceania, os arcos de
ilhas orientais, o tecido aporcelanado dos pólos...
3 Depois que já tivesse
acompanhado as idas e vindas da Terra umas quantas vezes, daria um tempo para
experimentar o barato da falta de gravidade. Flutuaria de um canto a outro,
feito menino besta, e de passagem ainda tiraria um sarro do camarada russo
'ei, Pavel Vinogradov, ei Pavel, ah, se Newton visse isso. Ah, se ele visse,
heim, Pavel!, diria enrolando a língua, afinal se aqui na Terra já é difícil
pronunciar o nome do camarada, avalie lá em cima, sem uma atmosferazinha de
pressão para ajudar.
4 E quando eu já estivesse
irremediavelmente inebriado, consumido, de tanto prazer, daria um tempo para
rebater tantas críticas à minha viagem. Tiraria do bolso o grãozinho de
feijão e partilharia com os camaradas as experimentações científicas sobre a
germinação do bichinho lá
5 É bem verdade que depois que
eu voltasse à Terra, por questões óbvias, não poderia dar mais um passo além
das fronteiras do Cazaquistão sob o risco de ser imolado, com toda razão, por
um respeitado cientista brasileiro revoltado com tanta bandalha com o
dinheiro público, mas aí, aí eu já teria realizado meu sonho.
6 Que puxa! Para a felicidade
geral da Nação, eu não sou o Marcos Pontes, e ele, apesar do sorriso
congelado nos lábios, levou bem a sério a história do feijãzinho, à revelia
dos vácuos explicativos para aquela missão.
7 Mas me dou o direito ao
sonho. Para quem as experiências com as alturas não passaram de umas
caminhadas arriscadas pelos galhos das ameixeiras que grassavam nos quintais
da Mauriti, umas visitas ao terraço do Manoel Pinto da Silva, e de uns vôos
nervosos (pra não dizer aterrorizantes) pela TABA a baixa altitude, sonhar em
entrar em órbita da Terra, ver o nosso blue planet lá de cima, viajar pelo
espaço (ora, se um vôo pela TABA já era muita emoção, imagine uma Soyuz);
flutuar sem gravidade, desconhecer o que é estar de cabeça para cima ou de
cabeça para baixo, desamarrar-se do geotropismo, seria, sem dúvida uma
experiência libertária.
8 Ver a Terra lá de cima...um
sonho.
9 Mas em todo caso vou plantar
um pé de feijão ali, no canto do alpendre, pode ser que, como na história do
João, ele me leve até lá .
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segunda-feira, 27 de maio de 2013
Crônica remix- marcos e o pé de
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