sexta-feira, 1 de março de 2013

crônica da semana - 2 demarço


A carta

Porto Velho, 2 de março de 1983. Meu querido amigo, acabo de desligar o telefone. Que sensação difícil de explicar. Mistura de sentimentos. Aflição, carinho, saudade. É a distância... 
Porto Velho é uma cidade diferente. As coisas acontecem aqui de modo inverso que no resto do Brasil. Em momentos delicados de desindexação da economia, a cidade não para de receber gente. Famílias inteiras chegam a toda hora trazendo uma bregueçada que vai do colchão manchado com nódoas escurecidas a fogão de quatro bocas, na bagagem. Impressiona que dali da plataforma algumas pessoas já saem com destino certo para trabalhar em um dos sertões daqui. Agentes de empresas zanzam de um lado a outro ofertando emprego. Inacreditável. As fazendas e as empresas que exploram ouro e cassiterita são os maiores empregadores. 
Eu cheguei de avião. Mas meu paradeiro é o mesmo. Vim meio na doida, certo mesmo somente a acolhida da família do Carneirinho, que mora já há alguns anos em Rondônia e 11 prestações da passagem pra pagar; o resto, sonhos. Desembarcamos na terça, 22 de fevereiro. E olha como este lugar é bendito. Foi só parar na frente da TV por uns minutos, tirar umas cópias no nosso currículo de recém-formados, com uma única página, e não passamos desempregados nem uma semana. Mas antes de conseguir este emprego, eu caí da bicicleta com o Saulo, irmão mais novo do Carneirinho, na garupa e chorei que só. Chorei porque com essa minha lerdeza, essa minha amarração, derrubei o menino e ele se machucou; chorei porque estou a, sei lá, três, três mil e poucos quilômetros de casa; Porque disseram que aqui faz frio; porque tô com saudade da mamãe, das minhas irmãs; de ti, meu querido amigo. Por falar nisso, manda aquela música, que fizeste com o Ribba, e que diz assim “é pena que eu não sou mais forte/pra vencer a solidão”. Ela fala muito de mim hoje. 
E agora, neste dia 2 de março, te conto como é ir mais ao longe. Saímos de Porto Velho cedo. A estrada ainda é um pedaço de terra e um outro tanto de asfalto, mas a parte de terra é um sofrimento só. Viemos com o geólogo Masaharu Kaedei, nosso chefe. Nosso rumo foi sempre para sul, percebia, pelo sol, que quanto mais a gente andava, mais a distância da minha querida Belém, aumentava. Ora, se aumentava a distância de Porto velho, que era onde estava a minha nova família rondoniense, que dirá de Belém. Quanto mais o carro varava rumo ao sul, mais o meu mundo se esfarelava, se desintegrava, mais a solidão se avizinhava, e agora, da janela de uma casa silenciosa e vil ela é minha companheira, te conto, sem vergonha nenhuma da minha dor, e olha só, uma lágrima escapuliu sem controle e caiu sobre o papel de seda em que escrevo. Se chegar manchadinha, esta carta, já sabes, é um recado. 
Hoje, dia 2 de março, assinei meus papéis todos. Aquelas coisas. Seguro, FGTS, PIS...E a carteira de trabalho. Uma assinatura que representa um salto na minha vida profissional. Já tinha uma como empacotar no Supermercado Pão de Açúcar. Agora, Técnico de Mineração, formado. Éraste, um pulo e tanto. E eu que pensava ganhar 50 mil, vou iniciar, ainda na fase de estagiário, com 90 mil cruzeiros por mês. É um dinheiro que eu nunca na minha vida vi. Dá que sobra, pra pagar as prestações da passagem e ainda quitar o empréstimo que fiz com o padre Lourenço, dias antes de vir pra cá. Ele me ajudou me dando uma grana para me manter enquanto batalhasse emprego. 
Ah, meu amigo, a experiência nos faz crescer, anima os nossos conceitos, mas é preciso ser homem neste 2 de março de 1983 e ainda sou tão pequenino...Um afetuoso abraço. Sodré. 


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