segunda-feira, 11 de março de 2013

crônica remix - Ivan


Ivan é meu amigo
Quando eu trabalhava em Altamira, tinha o meu cantinho na cidade para as minhas folgas e serviços de escritório. Morava num hotel lá em cima da serra, na saída da cidade, defronte da desmedida rodovia Transamazônica.
Houve um tempo em que o projeto tava pegando fogo, e o hotel andou muito movimentado. Nessa época, dividi o quarto com o Ivan. Por extenso: Ivan de Moraes Barros. Um paulistano boa praça, de sobrenome (quatrocentão) poderoso. Fã do Sílvio Santos e íntimo do bom pagode.
Pela convivência e pelas nossas atividades afins (eu era técnico da equipe de Geologia e ele, da Geofísica), acabamos nos tornando bons amigos.
Em Altamira aprontamos poucas e boas. Nos fins de semana de folga, juntávamos um grupinho e no início da noite, nos entregávamos ao pagode. Ivan tinha um surdo e fazia uma marcação competente, ritmada (aliás, se enchia de orgulho em dizer que ele e aquele querido instrumento já haviam acompanhado o Chico da Silva em memorável encontro musical). Eu era meio lerdo pra pagode, mas com o auxílio de umas ‘Vigu’, aprendi uma penca deles e segurava bacana uma noite com o meu violão.
Ivan exercia uma liderança saudável e alegre nas rodas de samba. Por incrível que pareça, varava uma noite sem tomar uma gota de álcool. Ia só de refri. E tinha uma energia autêntica, um entusiasmo explícito, um indisfarçável prazer quando batucava no estimado surdo...
Salve 20 de julho! Ontem foi o dia do amigo. E eu me pego a imaginar o que é mesmo que caracteriza um amigo. Fico tateando contratempos, azares e destrambelhos que por serem situações limites, servem para carimbar uma verdadeira amizade. E, diante dos absurdos, das bizarrices imperdoáveis que mapeei, posso assegurar que, amigo de vera, é aquele que sempre perdoa (às vezes com algum esforço, é certo, mas sempre perdoa) .
Certo dia, em Altamira, cheguei do campo na ira. Tava estressado. Vinha todo picado de carapanã, tava com saudade da mamãe...Queria tomar água gelada, dormir numa cama quente, sei lá, beijar uma morena.
A galera do hotel estava no futebol. Fui convidado para formar a grade mas declinei.
Fugi para o quarto. Peguei o violão, dedilhei alguma coisa. Mas não era isso que eu queria. Tava a fim de radicalizar. Foi quando eu vi, lá no cantinho, pedindo barulho, o surdo do Ivan. Não contei conversa. Joguei a alça do bichinho no pescoço e mandei ver na percussão. Bati. Bati com movimentos acelerados, insanos, alucinados. Era a minha catarse. A descarga das minhas dores.
Erguia a baqueta e descia com toda a força sobre o couro submisso. O quarto fechado. A acústica favorecia o transe.  Desci a mão com tal brutalidade sobre o estimado instrumento com o qual o Ivan tinha feito um som com o Chico da Silva que o couro não agüentou e rasgou.
Meu deus! Um desastre!
Na hora, fiquei doidinho, sem saber o que fazer. O que o Ivan iria dizer? Caramba, ele tinha o maior cuidado com aquele surdo! Não pensei em nenhuma desculpa, nenhuma solução. Fiquei com medo e me escondi debaixo da cama.
Quando o Ivan chegou e viu aquela arrumação, não falou nada. Eu, escondido estava, escondido fiquei. Ele tomou banho, se arrumou e saiu para o salão (o palco dos nossos pagodes). Não levou o instrumento.
Lá pra de noitinha, decidi enfrentar a realidade. Para encarar a fera, levei o meu violão como paga, para que ele o quebrasse também...
Ivan agora mora em Minas Gerais e vive dizendo que vem passear por aqui dia desses.
Daquele pecado que cometi, Ivan me perdoou naquela mesma noite.
Não quebrou meu violão e, até hoje, Ivan é meu amigo.

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