O Bê de Bule
Às vezes eu fico olhando pros meus meninos. Assuntando, assuntando,
vendo neles as mudanças do tempo, a virada de comportamento. Dia desses num
almoço in family, ao som de uma guitarra, o meu filhinho, do lado de lá da mesa
se balançou no ritmo. Eu daqui, também dei uma sacudidela ao som do Rock and
Roll. E matutei em silêncio: é isso
mesmo, é isso mesmo, quem disse que há uns
tempos, menino podia se remexer na mesa em plena hora do almoço. Deus te
livre e guarde, era cocorote na certa. E fui mais adiante nas minhas
constatações: quem disse que antigamente, o próprio pai podia responder a
qualquer música, que dirá um Rock, com um sacolejo na hora sagrada do meio-dia.
Nunca que podia.
Mas hoje, pode tudo. Que não fira, que não machuque, que não
humilhe ninguém. O pai deixa. Em tempos modernos, diante da crueza da vida, o
pai permite um tudo, desde que venha regado de candura, da fina e terna névoa
de doçura que existe num comovente trinado de guitarra.
Confesso que de outras coisas pretéritas, porém, o pai aqui sente
falta. E olha que dá o maior qüiproquó doméstico estas minhas vontadezinhas
antigas, em plena era da modernidade. Quer ver, um conjuntinho de cambraia de
linho marronzinho, que-nem-que-nem, tanto para um quanto para outro com shortinho
de bolso externo e camisa de gola, é o meu sonho para os meus meninos usarem
numa tarde ensolarada de domingo ( irem à missa, ao parquinho ou à praça tomar
um sorvete de groselha, ou mesmo só para se aprontarem e sentarem na porta para
apreciar o movimento. Eu, para um este ou para aquele ou ainda aquel’outro,
felicíssimo, me ponho à disposição de acompanhá-los). Alguns probleminhas para
realizar o meu sonho. Minha mulher, é claro não topa. Diz que temos um menino e
uma menina e essa história de conjuntinho, quando cabia, era para irmãos do
mesmo sexo. Eu, de pronto pondero: “ Ah, mas fica uma gracinha, os dois
irmãozinhos iguaizinhos, e ainda mais fashion com os bolsinhos tanto da camisa
de gola quanto do shortinho, sendo de
cores contrastantes do marronzinho, tipo um quadriculado matizado básico”. Ela
perde a esportiva e diz que tudo isso é, no mínimo ridículo. A resistência vem
também dos pimpolhos. A menina, que não sei com quem aprende, mas é uma vaidade
só, não vai encarar um conjuntinho démodé mesmo que seja pra fazer o gosto do
pai, de jeito e qualidade e o menino, alheio aos reclamos do pai, no domingo,
prefere se ligar nos jogos do brasileirão que a uma programação na batente da
casa, olhando pro tempo, a pensar na morte da bezerra.
Ah, que pena!
Antigamente era comum. A mãe comprava a fazenda de duas larguras, marrom, na
Pony e, à luz da sala, tecia, na vigorosa Vigoreli os conjuntinhos (e não tinha esse negócio de para menino ou
para menina, não, o modelito era no qual pega, pra todo mundo, do menor ao
maior). Depois, talhava os trianglinhos dos cortes matizados e engendrava um
desenho fashion aos bolsos do
conjuntinho. Era que era uma
gracinha, os pequenos abrigando as mãozinhas elegantemente na cava dos bolsos
quando posavam para um retrato, no Bosque, à sombra de uma frondosa samaúma ou
passeando de mãos dadas a dois, a três, pelas avenidas pedreirenses de outrora,
se lixando para a Gisele ou para a última da Cê e A.
E o bê de bule? Ah, o bule! O bule, como os conjuntinhos
marronzinhos, não existe mais.
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