sexta-feira, 8 de março de 2013

crônica da semana - dia da mulher


A manhã é mulher


Envaidecida manhã de termos e cores, de lisases matizes e friinhas sensações de aconchego. Aurora acrescida de postulados áureos ou de plúmbeos estratos estanques, tanto faz. Tua graça sempre há, ela resiste aos humores grises do tempo. Banhos de luz e bocados de chuva no raiar do dia te são servos animados. Piedosa, dadivosa. Alvorecer primitivo de grunhidos prazerosos, de alucinações instigantes. Despertares. Útero provedor, rubros lábios doces, paixão. Primeiro choro. Indistintos sabores sugados do teu peito. Leite e lascívia, ânsia e deleite. Olhos prateados, conquistadores de dias e dias. Poderosos, insubmissos despertares. Sensuais. Nas primeiras horas tuas, esperas nuas, retinas puras pairam encimadas à dor do labor. Oxum rainha. Fecundo legado, adorno natural de pétalas. Humanidades encerradas em ti. Bendito teu fruto. Mãe. 
Humanizada manhã, Vênus de ofuscantes dons, dorso curvilíneo, adolescente concupiscência. Inebriante cantoria, nos arredores bosqueados, chamamento encantado de pássaros e divindades. Transe. Dorso conflitante, seios provocantes, sorrisos que entontecem. Primavera de saberes, panteísmo de amores. Românticos escritinhos, escondidinhos, papeizinhos amassados ao coração. Sonhos e ilusões. Santa e pecadora. No escuro do quarto as ondas do mar vêm te tocar o corpo. Falsas culpas, temores sociais, apedrejamentos, reclusão e pouca fé. Na solidão, desejos vulcânicos, explodindo na cara de gente hipócrita. Verve impudica. Libido descarrilada. Vênus sedutora, magia, manhã. Virgem irresoluta, aprisionada e triste. Diante do espelho, pele rosada juvenil, sem suores frios a denunciar gozos recentes. Arruma uma arte, bela intocada, tece um vestido abusado, um viés ousado, um nada que te dispa o pudor, e gargalha no meio da rua, destapada, descoberta, insana a olhos vistos. Expõe a tua pele de cristal. Gargalha e cai no chão desvalida, sem cuidado de macho que te proteja. Largada ao chão, lançada ao mundo, sim, mas incorrigivelmente, escandalosamente...feliz. Maldiz a inocência, abomina a servidão, odeia a violência e mata a maldade que te espreita. Vênus criadora, livre e feliz, estrela-amante-da-manhã. 
Florida manhã perfumada de licores febris, de essências envolventes. Luxúria e saudade no ar. Claridade repleta de distâncias perto. Vibrações virtuais, Beijos imprecisos, no céu, na terra, nos escondidos do mundo, carinhos rapidamente eternos. Deusa fugidia, musa fugaz, claríssima santa empobrecida de amores e poderes. 
(Um dia te calcinaram o coração, te explodiram o pulmão, te calaram a voz. E tanta vilania se deu que teu corpo sumiu ao vento. E a poeira, a fumaça e partículas de órgão, pernas, seios, sexo, olhos, lábios, pêlos, pedacinhos mínimos de ti, do teu coração, e também, traços visíveis da tua alma, subiram ao céu, tão alto e se espalharam tão longe, que a manhã, frágil e derrotada, quedou-se à escuridão. E o mundo viveu sem ânimo um luto sufocante até que uma chuva de esperanças se derramou sobre os campos e o dia amanheceu mulher). 
Bem vinda manhã, de todos os dias, de todas as vidas, dona. Perfeita e devedora, dominante e protetora. Doce amiga. Verdadeira companheira na minha caminhada pelos incontáveis desafios e insolentes sortes. 
(Um dia te cortaram a língua, te mutilaram as partes, te empanturraram de panos, te mercantilizaram o corpo, arrancaram teus cabelos, te abstraíram o útero, tingiram de violência e lilás teus olhos. Mil balas te destruíram por amor...). 
Mas uma chuva de esperanças se derramou...e a manhã, humanizada manhã,  se fez mulher. 

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