sábado, 16 de junho de 2012


Estalar de dedos

A verdade mais apurada do mundo é essa: as coisas não acontecem assim, num estalar de dedos. Todas as invenções, os enredos e as contas que conhecemos levaram um tempo deste tamanho para se realizarem. A criação é resultado da teima. 
Na reuniãozinha que fazemos semanalmente, lá em casa e que tem o sugestivo nome de sarau no quintal, a instauração, o desenvolvimento e a sedimentação de processos que nos dão causa, sempre entram como tema de uma boa prosa. O exemplo mais prático e divertido que engendramos para dar motivo às nossas impressões é a maniçoba. Já pensou quantas luas se passaram para a maniçoba ser o que é hoje? Para os índios perceberem que era preciso ferver por aquele período e tal? (E eu que não sou santo nem nada, até traço uma esquete para ilustrar a produção da maniçoba. Começa lá nos primórdios, com o primeiro índio comendo a folha verdinha. É bom? Pergunta o parceiro sem atrever-se à prova. É, responde o outro com os olhos lacrimejantes e voz meio embargada e... pluft, cai durinho da silva. Aí passa, passa, passa...Outra cena. Já tem uma panela grande na parada. O índio se aproxima daquela polpa fumegante e dá uma provadinha. É bom? Pergunta o pajé, lá de fora, espreitando. É, responde o degustador já se contorcendo de cólica e, ploft, cai durinho da silva. E por aí em adiante). 
Imagino, ao longo do tempo, quantos heróis tombaram para que a maniçoba nos empanturrasse de felicidade a cada Círio da Virgem. É, não é fácil não, pra tudo há de se ter a perseverança, o sacrifício. 
Outra situação longeva cai ali nas rédeas da matemática. Trata-se do cálculo de área para figuras irregulares (aquelas que não são certinhas como quadrados ou triângulos). Os gregos intentaram. Arquimedes diligenciou, fuçou, fuçou, foi à ‘exaustão’, mas não fechou a conta. Veio a Idade Média e as terras não precisavam em medidas e nem em justiça. Um isso de dúvida na posse podia custar um reino. Somente no século 17, com a ferramenta agudíssima do Cálculo é que as arestas de uma área irregular foram contempladas e outras razões para a queda de um reino foram sendo cogitadas. A racionalização dos minúsculos quadradinhos imaginados num plano cartesiano só foi resolvida por Newton em mil seiscentos e uns caroços. De Arquimedes a Isaac Newton, bem mais de 1000 anos se passaram. Um tempo extraordinário para que os entremeios (meio insignificantes, meio preciosos) de uma curva fossem devassados. 
(Por falar em Newton, ganhei um cartaz danado com meu professor, certa vez, por causa de uma piada que fiz sobre o físico inglês. Reza a lenda que Newton morreu virgem. Essa é a deixa para a piada. Quem já estudou Cálculo intui que, o que Newton não fez a vida toda, faz com a calourada das Universidades, nos últimos 400 anos. Cai o pano. O professor gostou da piadinha e eu passei com um cinquinho básico em Cálculo I). 
A própria comunicação teve seu tempo verbal de espera. O filme A Guerra do Fogo (outro tema recorrente no sarau do quintal) mostra direitinho os primeiros ensaios de vocalização. Dali, do ‘alvorecer da humanidade’, até os dias atuais, alguns engasgos, outros tantos espasmos e previdentes ajustes na respiração foram necessários para que conseguíssemos pronunciar sem medo de sucumbirmos à síncope, a palavra inconstitucionalissimamente. 
E por falar no alvorecer, entre aqueles risquinhos iconográficos tecidos na parede de uma caverna de arenito e a espantosa ligeireza com que os meninos passam mensagens via celular, há algo mais que o tempo a impactar. Mas eu não sei bem o que é. De qualquer forma, não é coisa que aconteça num triz. 

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