sábado, 23 de junho de 2012

crônica da semana- cantiga de


Cantiga de ninar

Eu tinha um violão todo simplesinho, marca desconhecida, sem pedigree. Braço meio penso...Para as minhas modestas aspirações de violeiro, ele me bastava. Adiantava sempre que só pensaria num exemplar mais aquele, mais considerado, se a minha pegada prosperasse, se o meu dedilhado crescesse. Se eu passasse a tocar melhor. 
Não virei um virtuoso, mas num certo momento da vida, desfiz a prosa. Aposentei o meu pirentinho e comprei um violão chiquerérrimo, pomposo, de marca respeitada. Um acontecimento muito especial na minha vida fez com que eu mudasse de idéia: o nascimento de minha filha. 
Os dois, neste mês de junho, fazem 14 anos. Tinha uma intenção quando cheguei em casa com aquele Di Giorgio. Queria tocar mais afinado, cantar mais elegante, tirar sons mais agradáveis para minha bebê. Intuição de pai. Sabia que teríamos a música a pautar nossos melhores momentos (logo nos primeiros dias de nascida, Amaranta Maria ganhou de presente uma canção. Inspirado, fiz uma cantiga de ninar. Cantiga de ninar filhinha). 
Amaranta cresceu amante da música. É versátil. Desfia um som moderninho do Marcelo Jeneci ou solta a voz numa balada romântica da Adele, com a maior naturalidade. Sem preconceito musical, com similar desenvoltura cantarola suspirando, peças de um Jonas Brothers que não conheço, e encanta cantando para ouvidos seletos, nas noites de sábado, a versão do filme (um filme dos Beatles, presumo), para a consagradíssima “I Wanna Hold Your Hand”.  Mas o que é mais legal mesmo é quando, em momentos esquecidas de temas ou de festas, sem quê nem pra quê; sem combina ou agendas, ela senta na cama, pede um tom e se perde nas memórias infantis cantando “Cantiga de ninar”, aquela canção que fiz, no meu violão novo pr’ela, há 14 anos. 
É afinada, a pequena. E desde pequenina. Vai ali, equilibrada nas nuances da harmonia, mas tem como absolutamente normal esta habilidade. Eu é que me assanho, às vezes, querendo já traçar futuros. Houve d’eu forçar a barra dando corda na mãe: “olha, Edna, acho que a gente deve levar essa menina pra fazer uns testes, cantar nos programas de TV, nas bandas mais bonitas da cidade...”. 
É claro que ninguém liga pra essas minhas afetações. 
Amaranta Maria, muito menos. Percebo, porém, que temos uns compromissos não formalizados que acabam dinamizando o nosso envolvimento com a música. O que ela vê de novidade, ela partilha comigo. O que tenho de bacana levo até ela. Dia desses nos divertimos a valer com um pacote de bregas cults que eu baixei da internet. Ela por sua vez, me apresentou uma performance em que imitava a Maria Betânia com tal grau de fidelidade que resultou em sucessivos pedidos de bis (e que ela tem, até hoje, negado. É vera. Não raro, temos umas arengas por causa disso. A menina é geniosa. Não gosta de muita exposição. Faz uma vez, tá feito. Quem viu, viu; quem gostou, gostou. Outra vez, vai demorar. Só daqui a algum tempo, quando a poeira sentar. Essa coisa de bis, pra ela, gasta a obra). 
Até dia desses, era meio aceso mesmo, animado com as tiradas da minha pequenina, mas agora, começo a entender a função, a missão da música nas nossas vidas. Não tem nada de vaidade ou arrogância. Nenhum som vai nos enlevar extremamente ou nos saturar de poses. A música para nós tem a função de criar bons momentos. Tem a propriedade de nos unir em casa, nas noites calmas e sem quereres pré-definidos. Tem a energia suficiente para nos aproximar como pai e filha e nos aninhar junto a uma cantiga. Cantiga de ninar, do jeito de antes, do mesmo jeitinho como há 14 anos, quando ela nasceu. 

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