segunda-feira, 4 de junho de 2012

crônica remix- candeeiro 2


Adões e Evas
Achei no livro do Ruy Castro Ela é carioca, uma frase genial do cronista Rubem Braga. Ele, para dar uma impressão do ofício, diz que “crônica é viver em voz alta”. Uma opinião reveladora, uma definição, por certo, para este jeito bem particular de escrever (e, segundo o grande cronista, particular mesmo, individual, pessoal).
Foi bom ter encontrado num dos maiores escritores do Brasil, amparo para aquilo que faço (ou que pelo menos, usando de todo o meu charme, tento fazer). A bem da verdade, fazer crônica é expor-se, é desnudar-se. É desvelar nos outros, virtudes, defeitos nossos. É sangrar vapores dispersos e contaminar com a nossa cepa, a vida de tantos. É denunciar-se inquieto. É revelar-se amante, amado. É descobrir-se atraído, fugitivo. É inquietar-se traído. É conformar-se esquecido. Fazer crônica é estar na pele alheia/minha e manifestar-se desejoso de ganhar um candeeiro, como aconteceu dia desses aqui.
(‘Essa vida em voz alta’, bem sei, ecoa de várias formas. E isso tem um preço. Tem os sabores e os dissabores. A vida tem seus defeitos de fábrica).
Daquela crônica que escrevi sobre o desejo de ter um candeeiro, tive várias respostas. A primeira foi logo no dia seguinte, no trabalho. Quando fui pegar o turno, o meu companheiro Roque Amorim me cortou e arou dizendo que naquela manhã a sua esposa estava indo ao Ver-o-Peso com a missão única de trazer o meu candeeiro. Bastava só que eu informasse o estilo e o empório onde encontrá-lo. Caramba! Fiquei sem jeito. Quis explicar que aquele, na crônica não era eu. Que era um personagem inventado, criado ao sabor da inspiração. Mas como convencê-lo disso se eu estava ali no final do texto, me delatando?
Depois, abri uns e-mails e recebi do poeta Cláudio Cardoso a informação de que ele havia comprado dois candeeiros para uma performance que estava fazendo e que após as apresentações, um deles seria meu. E de grátis, me adiantou o poema chave do espetáculo, que tenho o prazer de reproduzir aqui: Quanto tempo tem o tempo/Numa fração de segundo/Tempo que passa no tempo/Capaz de mudar o mundo/Foi-se o tempo que ia a vida/Se arrastando a cada momento/Quando se tinha tempo para tudo/Sem correr e sem tormento/Quando vejo em meu filho/O tempo que já passou/Como filho que também fui/E de meu pai, o que ficou?/Pois o tempo é juiz/E implacável justiceiro/De nós não poupa nada/É chama de candeeiro.
Surpresa de igual forma agradável foi ter a garantia de um lampião vinda das mãos do querido clown João Guilherme e encontrar, mais tarde, no site www.amapabusca.com.br o meu querido amigo Orivaldo Fonseca que escreveu lá de Macapá um artigo com o título O candeeiro do Sodré. O texto do Orivaldo faz exatamente uma reflexão sobre o caráter textual da crônica. Mergulha nos subscritos e infiltra-se nos interstícios deste gênero literário tão atraente. Lá pelas tantas o artigo ganha uma tez urbana, memorialista, romântica e a seguir um perfil crítico, indignado. E neste momento Orivaldo mostra o quanto domina o gênero que imortalizou Rubem Braga. Mas como bom cronista que é, Orivaldo acaba negando-se como tal. Ou seja, na crônica, assim como na tortura, “toda carne se trai”. É o preço que pagamos por criarmos Adões e Evas de nossas próprias costelas.

Fazer crônica é enveredar-se pelas sutilezas da alma e impor-se sereno ante as vilanias do mundo. É fazer da palavra uma mensagem única que vem, ora veja, do coração. Então, se o ‘pulso ainda pulsa’, que venha o candeeiro e que Deus me conceda, o quanto lhe aprouver, viver em voz alta. Pois que o silêncio me fere de morte

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