sexta-feira, 15 de junho de 2012

crônica remix- estrelinhas


Estrelinhas tão cintilantes
Estive domingo no primeiro Arrastão junino do Arraial do Pavulagem.
Por conta de umas ‘questões paralelas’, fiquei um pouco distante do palco. Abriguei-me em uma nesga de sombra ao lado do anfiteatro, e de lá não arredei, já que o sol estava de rachar o cocuruto. Ali tem um relevo bacana. O terreno forma uma elevação que permite a gente ter a visão de pontos estratégicos da praça e, por isso, nos oferece obliquamente a belezura daquela estátua de mármore em que a figura de uma mulher representa a liberdade, e ao lado, as evoluções pávulas e acetinadas do batalhão. É como se, confortavelmente, houvéssemos a fritar o peixe e a olhar pro gato.
Esta característica do relevo aliada a minha sombrinha preciosa (ouro, prata e brilhante), me cativa. Não tem quem me tire dali...A não ser as ‘estrelinhas tão cintilantes’.  Fico por lá, quieto, até quando ouço os primeiros acordes da música “Iniciais BP”. (que eu prezo como o hino do grupo). Quando toca essa música, eu piro e vou lá pro meião arriscar uns passinhos consoantes com a coreografia.
Todo mundo pira, essa é que é a verdade. Esta música entra como uma apoteose. É o ápice. O esplendor. O sentimento que inspira é que ela entra no show para coroar o esforço de uma pá de gente que luta para colocar o folguedo do Pavulagem na rua. Penso que ela tem este quê de restauro, de sublimação, realiza-se como um prazer compensatório.
Para nosotros que nos animamos e nos inebriamos com a canção, ela entra para encher o coração de alegria (porque potencializa o valor da cultura popular, rejuvenesce a fé em coisas boas, revigora desejos e recompõe ânimos). A canção incendeia a multidão. Causa delírios e prazeres tórridos (o sol, né, no zênite, tinindo). No trinado de uma senhora duma guitarra bem tocada, ela se anuncia devastadora. A terra treme, as fitas flutuam ao vento, os corpos erguem-se no ar, as estrelas do dia cintilam. E a gente se entrega alucinado e feliz ao ritmo.
E eu tento traduzir isso com uma palavra. Fenômeno. O Pavulagem é um fenômeno.
Tá bom. Tô sendo parcial, tietando indecorosamente. É verdade que gosto dos meninos do Arraial. Admiro o conjunto da obra que se mostra no Arrastão. Mas há outros motivos para a rasgação de seda (porque agitação e êxtase também foram ingredientes do show do Iron Maiden, por outro lado, tem gente que se descontrola vendo os sertanejos Victor e Léo. Emoção, portanto, é sentimento comum nessas horas). Fico procurando outras origens para aquela sensação de felicidade que nos desperta na manhã seguinte ao domingo de festa (porque há um tanto de fármacos que estimulam a atividade dos neurotransmissores no cérebro e nos regulam o humor com eficácia. A felicidade é coisa da química). Pondero, ainda: não é só no Arraial que vemos um mundo de gente em ebulição.
O segredo do Arraial pra pegar a gente pelo pé (literalmente) permeia os campos da amizade (sempre proporciona grandes encontros), da longevidade (com 24 anos de existência, o Arraial já contabiliza boas histórias), da preservação cultural (a bênção dos santos joaninos protege, por certo, a festa). E o fundamental, o que para mim determina a empatia do grupo com o público: é a afirmação de uma arte sedutoramente sonora e radiantemente poética.
Domingo, lá ‘pelas uma e pouca’, como diz a galera, quando terminou o show na Praça da República, já perfeitamente refeito do transe, banquei a tradução: o Arraial do Pavulagem é um fenômeno. Um delicioso fenômeno junino. Desaloja a gente da sombra, da obliquidade discreta e ilumina com cintilantes estrelas, os escurinhos do nosso coração.

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