terça-feira, 3 de abril de 2012

crônica remix- pai

Pai


Hoje tá parecendo feriado santo, esse menino. Uma paz! Ah, essas músicas que tocam na rádio me dão uma malemolência, esse menino, parece um abandono orquestrado.Vem, vamos se aprontar, vamos se assear, e passar um talquinho.
Vem, esse menino, que o sol lá fora é de um clarão amigo e este vento silencioso que sobe a rua, traz do passado, a saudade.

Vem, deixa eu te lembrar daquele homem que tu nunca viste, e que, num dia como este, me chegava com um frondoso pé de alface e uma sacola cheia de coisas da feira para o almoço da família. E depois, esse menino, aquele homem, depois do almoço, procurava a paz. Atava a rede na sala e, nu da cintura pra cima, se embalava descansado, ouvindo o silêncio das crianças da casa, enquanto eu o admirava ali de longe, querendo, no meu futuro, ser como ele.

O sol é clarinho. Parece uma alma clara, ali brilhando no céu, zunindo orquestrado no dia. O vento vem de longe. Do fim da rua e da memória, tocando áspero na gente, mexendo com nossas saudades. E não se vê viv’alma na rua, esse menino. Tudo é um deserto só.

Vem, esse menino, te ajeita, te ajeita. Vamos pra porta da rua, ver o vento passar. Senta aqui na batente, que eu vou te contar da minha saudade. Saudade de pai, esse menino, saudade de pai.

Em plena meio-dia deste silêncio, eu lembro daquele pai que zelava pelo depósito de milho. Daquele homem obstinado que varava dias nos comboios pelas lonjuras dos seringais. Pai bravo, que ralhava com o Rompe-mato e com o Rompe-ferro, quando eles perdiam uma caça. Daquele amigo que chegava, na cidade, doido de saudade, me ajeitava na garupa do melhor cavalo, e me levava pra tomar sorvete de graviola, na praça Plácido de Castro. Pai negro, com cheiro de floresta, tingido de defumo de balata, banhado por gotejos de látex. Pai árvore, que me chegava dos campos com a bainha da calça empestada de carrapicho, e que depois eu ficava catando um por um. Pai que me carinhava roçando a barba pixaim  risonha, carinhosa, no meu cocuruto, e eu, ah, eu me aninhando naquele colo seguro.
Eita, esse menino, espia, ali no fim da rua, onde o céu encontra com a árvore mais florida. Lá, é a casa do tempo. Do tempo perdido, que não volta mais. Do tempo que ficou velho e pobre e que não me trará mais ninguém: nem meu pai renascido nem aquele menino mimado. E tu, esse menino, sem tempo vivido lá no fim da rua, de onde nasce o vento...
E tu? De quem tens saudades?  Que saudades de pai, tu tens? E éraste, do dia deslumbrante, heim, esse menino, este, clarinho, ventilado, de um zunido orquestrado, que parece feriado santo, em plena meio-dia!

Nenhum comentário:

Postar um comentário