sábado, 7 de abril de 2012

Crônica da semana- amigos presos

Senta que lá vem história

Naquela manhã, dei um ‘dibra’ no porteiro, abri caminho entre o unheiro e o bombonzeiro, me apoiei no meio fio, montei na mobilete que o meu amigo Eduardo tinha arrumado não sei com quem e saímos com mais de mil, da escola, que ficava detrás do Bosque, até a Presidente Vargas, para ver o Figueiredo. 
O ano era 1978. Estava na biqueira, João Batista, de ser o presidente do Brasil e visitava Belém arregimentando simpatizantes para a eleição que se decidiria no Colégio Eleitoral. 
É um relato surpreendente este, mas é verdade. Naquele tempo, a gente admirava os militares. Mamãe levava a gente pra ver a parada de 7 de setembro e os pequenos ficavam ali, rés à corda de isolamento, de palmo em cima com os coturnos. Nos entusiasmávamos com aqueles desfiles engalanados, cheios de garbo e altivez. Laço verde-amarelo no peito, cata-vento cívico, espírito patriótico e muito respeito. E ai da gente, se assim não fosse. 
(No domingo próximo passado, juntamos os meninos lá de casa para uma sessão de ‘senta que lá vem história’. Comecei contando esta primeira parte aí de cima. Até eu entrar na Escola Técnica, era alheio, ou como se dizia na época, eu era um moleque ‘alienado’ das reentrâncias políticas que delimitavam o regime. Na ETFPA foi que a coisa mudou. Tínhamos, lá, um grupo antenado. Todos os dias, na saída, juntávamos nossos dinheirinhos do ônibus, numa coleta, descíamos a Estrela, sentávamos à calçada da sorveteria e ficávamos até lá pelas nove horas da noite chupando picolé e descobrindo coisas. Depois íamos para casa a pé. 
Quando os meus amigos falaram, pela primeira vez, contra os militares, tive um choque - nem de longe comparado àquele dos porões, ressalte-se. Depois fui me envolvendo, conhecendo mais. Atinei para os subterrâneos do poder ali, naquela calçada.  Percebi com alguma nitidez, os gritos que a gente não ouvia pela rua. Entendi insatisfações e tristezas. Sofrimentos, torturas. As feridas abertas na sociedade brasileira começaram a doer em mim também. 
Aí, veio a militância na igreja, nos movimentos pelo direito de morar, nas articulações pela meia-passagem. Vi coisas do arco da velha, nessa fase. Gente sendo caçada, bombas estourando nas bancas de revistas, agentes infiltrados com cara de Raul Seixas, ativistas de esquerda ‘saltando’ para o consulado da Bélgica - que ficava em frente ao portão da ETFPA, aquele do lado da Estrela. Tive ‘amigos presos, amigos sumindo assim’. Ainda bem que não foi pra nunca mais. 
Anos depois, estamos nós, no domingo próximo passado, contando para os sobrinhos, para os filhos, um pouco de uma história que oxalá, jamais se repita. E meu cunhado Elói pôs-se a relatar como, aos quinze anos de idade, militante engajado no MLPA - Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia- viu-se na lista dos desaparecidos do regime. Uma história dramática. Todos nós ouvimos atentos. Eu que já ouvira a história diversas vezes, não contive a indignação. Éramos companheiros, naquela época. Certo dia, numa manifestação, jogaram o companheirinho dentro dum Fusca e sumiram com ele. Foi posto frente a inquiridores raivosos. Sofreu pressão psicológica, humilhação, constrangimento. A família, enganada, desenganada. Os órgãos da segurança pública nada diziam sobre o paradeiro do companheiro-garoto. Uma eternidade se passou e uma mínima coincidência...um bom coração o descobriu desaparecido no escuro do Dops. Para livrá-lo, uma destemida legião de obreiros: João Batista, Paulo Fonteles, Rosa Marga Rothe, Tia Tiba... 
Alguns anos depois, estávamos nós, no domingo próximo passado, contando...) 


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