quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

crônica remix- uma pedra

UMA PEDRA NO MEU CAMINHO

O meu primeiro mineral foi um diamante. Apareceu rolado, do leito de um pequeno curso d’água que corria no fundo da vila em que eu morava, na Pedreira. Encontrei a pedra, enquanto atalhava, pelos quintais lamacentos, o caminho que levava a um campinho, ali na baixa da Pedro Miranda. No início da tarde, havia arriado um pampeiro daqueles e a enxurrada tinha entulhado o pequeno igarapé com uma diversidade de detritos e muita areia.
Quando eu e minha patota cruzávamos o igarapezinho, avistei ali, insubordinando-se em meio àquele monte de areia, o meu precioso. Categórico, absoluto. Imponente, provocante. Luzindo decidido, a oferecer-se para mim.
Nos tempos em que achei um diamante, o meu bairro tinha um quê de bucólico e produzia em si, prazerosos argumentos árcades: Era a Pedreira do Samba e do Amor. Aquela pedra apareceu para mim, no tempo em que os primeiros mistérios apresentavam-se atraentes, velozes. Ora inocentes, ora condenáveis (mas sempre mistérios, e sempre atraentes). Surgiu no meu caminho quando eu era um garoto que usava suspensórios, bermudas da “Jaú Júnior”, não chamava palavrão e acreditava na ilusão de ter nas mãos, um diamante que nem aquele do João, o virtuoso personagem do Tarcísio Meira, na novela “Irmãos Coragem”.
Mas tudo flui, previne o filósofo grego, desde a antiguidade. O mundo, as coisas do mundo, são dotados de movimento eterno. E aquela tarde foi ganhando outro sentido. Ajustando-se aos caprichos (nem tão caprichosos) da razão.
Tudo se movimenta, tudo muda.
A minha Pedreira de outrora exibe-se agora, mais pelo medo e pela solidão do que pelos prazeres do samba e do amor.
Os quintais lamacentos povoados de chamichuga não resistiram aos ataques da especulação imobiliária. Do campinho onde a minha patota esbanjava caté, com a bola no pé, erguem-se agora, dois desengonçados xeno-espigões. E os cursos de água que animavam de surpresas as nossas tardes assumem, desgraçadamente, a vocação para esgoto a céu aberto.
Depois daquela tarde chuvosa, a minha ilusão foi posta à prova. As minhas impressões submeteram-se às avaliações técnicas. As minhas fantasias sucumbiram ao rigor científico.
Dali em diante, a minha pedrinha, sob a luz da verdade, ganhou status de grão arredondado, agregou dimensão de seixo, revelou-se em brilho vítreo e definiu-se transparente. Ganhou identidade atômica no silício e no oxigênio e um nome: quartzo.
Daquele passado, nos quintais da Pedreira, até aqui, o meu diamante, sob as amarras inequívocas dos conceitos, transubstanciou-se em quartzo. É como se, ao longo do tempo, a minha carruagem fosse, inevitavelmente, se transformando em abóbora...
Hoje, o garoto que varava os quintais, resigna-se, por fim, consolado pela consciência do homem maduro. Sem ressentimentos ou traumas porque acode-me, providencialmente, a psicologia quando diz que dentro da gente, respira, subversivamente, uma criança. Portanto, embora no meu presente, eu reconheça que aquela pedra que cruzou o meu caminho, numa tarde chuvosa da Pedreira de antes, era, na verdade um quartzo, no fundo da minha alma, resiste a convicção infantil a certificar: era um diamante. O meu precioso diamante. E quer saber, mais belo, mais brilhante e mais bonito do que qualquer outro já imaginado.

Um comentário:

  1. Muito belo, Sodré! Assim como o diamante, que na verdade era quartzo, muitas verdades nossas, de infância, são desfeitas quando adquirimos conhecimento.E aí, reconhecemos que a melhor época era aquela, de quando éramos crianças, inocentes e que tudo que sabíamos era descoberto por sensações, por nossas impressoes e fantasias e desse modo éramos felizes. "É como se, ao longo do tempo, a minha carruagem fosse, inevitavelmente, se transformando em abóbora", é um triste fado. Portanto, o que nos resta é viver "consolado pela consciência do homem maduro", e acreditar que a criança vive latentemente dentro da gente.

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