quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

crônica remix-nascido a

Nascido em 4 de junho
Naquele silencioso dia de junho, o meu amigo Sérgio Kleinfelder Rodriguez que, penso eu, com um sobrenome desses só pode ser descendente injustiçado de um poderoso e malvadão conde da média Catalúnia, largou-se sereno sobre o sofá.
A manhã estava molhada de chuva fina. Os morros lá pros lados da vila operária transpiravam alvas fumacinhas surdas, a quietude e o torpor do dia nos traziam fortes e indefensáveis lembranças.
Éramos muito jovens. Paulo Sérgio, Carneirinho, Fernando (lirico) Perdigão, Bolão e a família Bolota, Rosinha...Rosinha, índia insurreta, de ofuscante sorriso...Rosinha.
Estávamos engatinhando na vida. Desterrados. Ausentes e solitários naquele início friorento de junho.
Sérgio Kleinfelder aquietou-se no sofá e, divisando um ponto distante, inalcançável, sem sons ou imagens, quedou-se às lágrimas.
O dia 4 de junho era exatamente o dia do aniversário dele. E ali, perdido nas reentrâncias da selva rondoniense o nosso inquebrantável catalão não suportou a distância da família. Entregou-se ao sofrimento e à tristeza.
Saudades...Saudades.
E como dói! A saudade, já se sabe, “mata a gente”, no início refrigerado de junho.
Ô diazinho para se sentir saudade é quando o frio desce.
O clima ajuda. Pode reparar: há, realmente um certa inércia, uma íntima letargia quando o frio desce.
Em Rondônia, como em todo o extremo ocidental da Amazônia, faz frio. As baixas temperaturas começam pelo mês de maio e se estendem até agosto. Os dias de frio são salteados. Não são ininterruptos, não. São entremeados por períodos de intenso calor. E são mais graves quando as temperaturas no sul caem consideravelmente. Eu diria que Rondônia pega as raspas de inverno do Brasil meridional. É um ventinho gelado que desvia do planalto central, se infiltra pela planície pantaneira e atinge as baixas latitudes pelas calhas dobradas dos rios Madeira e Guaporé. (Lembro de um dia especial, o 24 de maio, dia de Nossa Senhora Auxiliadora. É feriado em Rondônia e nos tempos que passei por lá, era batata: a temperatura ia lá pra baixo neste dia, coisa de 8, 10 graus. Ah, eu me empacotava todo, e como era feriado, não saía de casa nem a ‘bufete’).
O friozinho, porém, tem caminho limitado. Não chega até aqui no Pará (o que é uma pena). Aliás, não desce o vale do Madeira além de Humaitá. A friagem seca se dissipa por ali em meio à grandiosidade úmida da floresta.
Este larilari meteorológico talvez explique as baixas temperaturas que ocorrem nesta época do ano em Rondônia. Mas não explica o calor latente, o rumor fremente, o grito reprimido que brandia no coração daqueles garotos, no dia 4 de junho.
Todos nós éramos muito jovens. Paulo Sérgio, Carneirinho, Fernando (lirico) Perdigão, Bolão e a família Bolota, Rosinha... Índia insurreta, de ofuscante sorriso...Rosinha, índia arredia, indomável discípula do Marechal Cândido Mariano. Índia que não se entrega, que não se adestra e que fugiu de mim para a mata amiga. Floríndia: Rosinha.
Éramos muito jovens, solitários e ausentes naquele início de junho geladinho lá pelos ermos ocidentais do Brasil. Carentes de um mimo, um agrado, um afago, ‘uma qualquer coisa cândida’ a nos rodear, um brinquedinho desejado para encher de alegria o coração do aniversariante. Mesmo assim, acreditávamos no amor e num futuro feliz.
Ledo engano alimentado pelo frio rondoniense. Vinte e seis anos depois, o solão de meio de ano me bate à porta, nos arredores abafados de Belém do Pará, para me lembrar que felicidade (como aquela desejada em 4 de junho) é brinquedo que não tem.

2 comentários:

  1. 16 de fevereiro ou 4 de junho, todos são múltiplos de anos bissextos, ou não?
    Abraço forte, Sodré.

    Sergio Klein

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    1. Ah, sim... depois de todos esses 20 e tantos anos, ainda choro em meus aniversários, agora de saudades daqueles que eram muito jovens.

      Sergio Klein

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