sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Crônica da semana- vai querer...

Vai querer decidir?


Dia desses, eu me vi aperreado. Peguei uma virose que me amofinou às pampas. Antes, a gente se curava desses banzos, logo, logo, com a ‘piula do mato’, (as famosas bolinhas plúmbeas "purgativas à base de cabacinha desenvolvidas pelo doutor cirurgião Mattos, no final do século 19”). Era tiro e queda. Não tinha errada. A gente botava tudo pra fora. Mas hoje em dia, sabe como é. Temos que dar fôlego aos convênios. Abalei-me a Belém para uma consulta. 
Foi em cima, foi embaixo, aquele velho soro, tira a pressão aqui, a temperatura acolá, um captoprilzinho debaixo da língua, um ‘enzame’ de sangue rapidola, só pra não perder o embalo...passa o dedinho na luzinha, deixa tudo pago e... não é que tornei. Deixei o hospital e estava tão entusiasmado com o meu pronto restabelecimento, que resolvi voltar a pé pra casa. Aprumei pra pegar a sombra do Bosque. 
Mas não tem a porqueira do capiroto pra a atentar? Antes de vencer a primeira esquina, quando atravessava a calçada de um posto de gasolina, um desajustado do juízo passou como um raio, tirando um fino nanométrico de mim. Do jeito que vinha na Almirante Barroso, o sulfuroso entrou no posto. Nem um bi bi de buzina deu. O desgramado só não me levou por inteiro porque Deus não quis. Meu nome não estava na lista dos indicados a ter com o Pai, naquele santo dia. 
Meu Jesuscristinho do meu coração, eu sei que é pecado mortal. Que papai do céu ralha, mas naquela hora me deu um ódio tão grande daquele homem. Uma ira nada santa. Não tô dizendo: vinha de passamentos matizados de palidezes e desânimos. Tinha acabado de pular uma fogueira. Estava respirando e amando a vida, e aquele desditoso por um triz quase me despacha sem quê nem pra quê! Não. Reinei naquela hora esfolar o cara vivo. Esmigalhá-lo sob os pés pra ficar só a pasta. Pô, tenho meus filhinhos pra criar. Minha mulher vai se formar daqui a pouco (e vai rolar muita gelada) tenho viagem acertada pra z’oropa e este um querendo cortar o meu barato. Nananina. 
Do trisca em mim, ele parou lá na frente, na bomba, pra abastecer. E cheio da pose. De lá, ficou me tirando, me esnobando. 
Fiquei ali, como se fosse uma estátua indignada, ruminando aquela gabolice. Quando dei que meus 1500 milímetros estavam intactos e fora o susto, nenhuma outra pendência me consumia, larguei minha vingança saramaligna pra lá e continuei o meu caminho sem olhar para aquele mundo incompreensível de sal atrás de mim. Porque sou de paz (e também, porque o cara era um teba e ia me dar um trabalhinho ali, na hora do vamos ver). 
Não gosto de violência. Tô aí na rima dos enta, e apenas um fato, na minha biografia retrata um confronto computando socos e pontapés. Foi na adolescência e foi por causa de bola, no campo de piçarra da Marquês. E só aconteceu porque a pariceirada deu muita corda. Atiçaram, os moleques. Fizeram o risco no chão. Puseram a mãe no meio. O meu contendor, coitado, desconversava, ria risos nervosos e se expunha no máximo à disputa ombro-com-ombro sob a descompromissada pergunta “vai querer decidir, vai querer decidir?” 
Até que fomos jogados um contra o outro, e o pau torou. Eu dei a primeira. Era lei: quem dava a primeira ganhava a luta. Até separarem a gente, o mundo era apenas uma sugestão para mim. Não via nada, não ouvia nada, não sentia nada. 
Dali fui pra casa com o olho roxo, o beiço por acolá de inchado, zonzo, em suma, todo escambimbado. Peguei um carão da mamãe e um castigo de não ir para as matinês do Paraíso por dois domingos. Até hoje não entendo como fui considerado o vencedor daquele briga. Mas enfim, era a lei. 

3 comentários:

  1. Égua, paid'égua esse texto. ADOREI. Ri muito, Sodré. Hahahahahha.

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  2. Raimundo... Eu daqui do Rio de Janeiro continuo procurando e consequentemente achando com muita ajuda da Internet...

    Meu nome é Carlos Jorge de Souza editor de arte e cultura da www.TVZO.com.br

    Nos conhecemos na extinta Polygram . Eu era só o Carlinhos ( assistente de gravação )e vc me dava carona até Ipanema acho que num Chevettinho . Lembra??? Mande notícias para TVZO ( releases e videos ...Abração ) contato@tvzo.com.br

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  3. Ah... Vou pegar meu dicionário de "Expressões Idiomáticas do Recôncavo Bahiano" para traduzir a crônica e depois eu comento!!rsrsrssr

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