sexta-feira, 24 de junho de 2011

Crônica da semana

Curuminha
Que me faltem as palavras. Que elas se pulverizem em conotações, em semânticas; que se diluam em partes do discurso e me leguem apenas o verbo amar. É o que me basta para que as nossas verdades se realizem.
Mesmo porque minha filha não gosta de muita prosa. Desconfia da fluência verbal e do pieguismo retórico. A enrolação não lhe apraz. É do tipo que metaboliza velozmente as intenções. A ela, meia palavra basta. O resto se cumpre pela sensibilidade, pelo tato, pelo brilho nos olhos, pelos gestos e expressões. Aprendi isso. Minha curuminha é exploradora de almas. E assim, temos nos entendido.
Respeito o jeito dela (e até gosto. Acho bacana essa personalidade reservada, exclusiva, que ela ostenta. Procura ser única. Não se influencia, não se entusiasma com discursos ou coquetes pragmáticos. Não se deixa levar pelo irmão, por exemplo, que vive me rasgando seda). Diz que me ama sem verbalizar flores, cores, fervores ou todas aquelas instituições cordiais que beiram a hipocrisia; e também, prefere que eu seja econômico quando quero dizer que a amo. Por isso, obedientemente, desenvolvi o meu mantra minimalista: Papai. Papai te ama, filha. Isso, para nós, diz tudo, porque ela sempre me responde com aquele ar imperioso e com o fulgor devastador daqueles olhos negros, concordando: “eu sei, eu sei”.
Mas se por um (conveniente) acordo tácito, a tagarelice devotada nos falta, grassa, entre nós, graças ao bom Pai, a cumplicidade, o apego. A intuição. Veladas confissões de amor nos equilibram os passos. Em momentos capitais, a nossa conivência permite que eu me sinta o Agamenon amado. Querido. Aquele que em algum momento da vida terá a lealdade e a tolerância da filha.
(Certa vez fizemos uma foto para o Jornal Amazônia. Era uma matéria especial que se referia a obra de Gabriel García Márquez. Por causa do nome de minha filha, fui convidado a integrar a reportagem. Na foto, Amaranta saiu agarradinha a mim, num abraço difícil de descolar, na mais perfeita ilustração do amor carrapatinho.
Em outra ocasião, ela ainda muito bebê, fez o mesmo. Foi no lançamento de uma coletânea de poesia que participei. Muita gente e badalação, naquele dia. A pequena se atracou no meu colo e não me largou um só instante. Palavra nenhuma para explicar aquele abraço compulsivo, pronunciou. Mas eu entendi).
Amaranta prima pela simbologia. Os sinais que ela elabora segredam um viés incontrolável da nossa relação: a menina tem uma liga com o pai. Não gosta de demonstrar. Não se exibe. Mas quando cisma, quando percebe concorrência ou se vê ameaçada; quando quer ser egoísta e presunçosa, ou simplesmente quando quer atenção e carinho, Amaranta Maria se apossa. Assim, como a mitológica Electra, queda-se zelosa e reparadora. Não divide o pai. Minha menina cuida e ama em silêncio, mas quando tem que lutar, posta-se agressiva à proa. E luta.
Para mim, ainda é a minha bebê (para os conceitos modernos, e principalmente, para uns moleques enxeridos, não). À revelia de minhas vontades, as primaveras deram a ‘fulorar’ inadvertidamente mandacarus lá nas secas distantes e sem que eu me desse conta, a menina enjoou da boneca e já pensa em namorar (oh, céus, o que faço?). Uma inquietação me desperta e eu, mais que depressa, ponho-me em guarda pronto para a luta...certo, porém, da natureza inglória desta batalha.
Que me faltem as palavras. Que elas se pulverizem em conotações, em semânticas; que se diluam em partes do discurso e me leguem apenas o verbo amar. É o que me basta para que as nossas verdades se realizem: Papai. Papai te ama, filha.

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