terça-feira, 1 de abril de 2014

crônica remix- onde o filho chora

Onde o filho chora e o pai não ouve
Aqui estou eu, na frente do computador neste domingo de sol que antecede o dia dos pais. Lá fora, o mundo girando. As vans lotadas para o Caripi transportando ansiedades e disposições no colorido da manhã. No caminho, uns contratempos: mau humor, apertos e o desconforto. Mas também, tecnô. Muito tecnô para aliviar a dor.
Pelos quintais, churrasqueiras fumegantes aquecendo reuniõezinhas semanais. Sob a claridade da manhã, inofensiva tesouragem e uma gelada no jeito, porque ninguém é de ferro.
E eu, ah, eu aqui, na frente deste computador, me aperreando com saudade de pai...
Agora por essa época, na biqueira do dia dos pais, tô assim, ó, de banzo.
Um não sei quê amargoso me consome, uma agonia malcriada me persegue...Uma invencível sensação de abandono me deixa atarantado, atado ao inquebrantável fio da solidão...Ai, ai, ai chega me dá um aperto aqui no peito.
Meu pai morreu quando eu tinha 5 anos. Para mim, pouca coisa ficou da presença de um pai. Eu era um bebê quando ele partiu e isso explica a pouca lembrança. Trago na memória somente alguns lances surreais (como aquele em que o meu herói me salvou cavucando meu nariz com um grampo para retirar um caroço de feijão que eu havia colocado ali numa brincadeira perigosa com os outros meninos. Saiu sangue e doeu bastante, mas logo passou porque meu papai estava ali, para me acudir).
O mais que sei, me chegou pelas prosas saudosas de minha mãe. Sei que meu pai era seringueiro lá pelas terras acreanas (e me ocorre agora, a lembrança da barba rala, mal feita, do meu pai. É uma lembrança meio indefinida, mas que resiste ao tempo: o meu pai chegando nos comboios, vindo lá das entranhas da selva e procurando os filhos para carinhar daquele jeito que ele fazia: abraçando, roçando a barba na gente, fazendo ‘cosquinha’. E a gente se arrepiando, tecendo manhas, se aninhando nele. Procurando abrigo, conforto no colo aquecido, suado, do homem da floresta).
Sei também que, com um metro e cinqüenta e um de altura, não puxei pra ele. Aliás, nenhum dos filhos herdou a altura do meu pai, que era, segundo as insuspeitas declarações da minha mãe, “um pedaço de moreno”.
Mas o que eu sei mesmo, é que tenho muito orgulho do meu pai. Sinto-me envaidecido por ter sido gerado por um homem que ralou pra caramba socado nas matas, atrás do látex. Um homem que enfrentou as mais impensadas adversidades impostas pela selva em busca de dias melhores. Um homem que na sua simplicidade venceu tantos obstáculos e procurou sempre ser feliz e levar felicidade aos outros.
A vida vinga lá fora, e cá estou, pegado no computador, neste domingo de sol, 5 de agosto, dia da independência do Acre, escrevendo a saudade do meu herói.
Perdi meu pai há um tempão e, confesso, agora, já na quebrada dos quarenta ainda sofro um bocado, pela falta de pai.
Não é fácil passar por situações em que a gente precisa de carinho ou de segurança, e não encontra mais o colo do seringueiro para se aninhar; é frustrante encarar circunstâncias em que a gente não pode se defender com aquela definitiva frase “vou chamar o meu pai” (e quantas e quantas vezes eu quis dizer esta frase, e não pude, aliás, acho que ontem mesmo).
Entendo que o pai tem a nobre missão de atender ao chamado do filho quando ele pede por abrigo, por carinho, ou mesmo quando o clima esquenta como naqueles desconcertantes conflitos infantis. Mas insubmissas histórias e destinos ingovernáveis nos levam a uma realidade onde o filho chora (como agora, enquanto escrevo estas sinceras linhas), mas o pai não ouve.

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