quarta-feira, 23 de abril de 2014

crônica remix - 45 bico largo

45 bico largo
Uma provação. Uma provocação...Fiz 45 anos, e agora?
Sinceramente, não estou preparado para uma idade tão emblemática. Ter 4 ponto 5 é dispor-se a enfrentar a idéia de que se está mais para o lado dos doirados 50 do que dos prateados 25 anos. É começar a contar o tempo em outra escala, não mais em anos. Agora a contagem é em séculos. Estou indo para meio século de existência. E isso é sério.
É barra essa história de ficar mais velho. Mas eu, é porque sou besta mesmo de revelar a idade. A maioria dos meus contemporâneos estacionou nos 40. E as pessoas nem maldam.
Eu, por mim, fico arrumando atenuantes, aferindo aqui e ali para ver como tá a pegada: na cabeça, arejada, moderninha, acho que tenho pouco mais de 30 anos; no coração, realmente, tá além, o bichinho tá meio maltratado e a coisa anda pelos 40 e poucos mesmo; ali, na marca do pênalti, sem mentira nenhuma, juro! Chuto uns 19 aninhos; nos joelhos, algo perto de 65 anos, muito pela cirurgia que me tirou um dos meniscos e também pelo peso, que apesar, de um regime forçado, nos últimos meses, ainda me está acima das posses; se for tirar pela altura, reflito pueris 12 anos, a idade do meu filho que já está do meu tamanho. Tirando um pelo outro, como diria minha mãe, dá uma média de 33 anos.
Não é nada, não é nada, mas dá aí pra ir convivendo com esta fantasia.
Cartola, numa das pérolas da música brasileira disse que de cada amor herdaremos somente o cinismo. Creio que o cinismo, também, é o legado que ganhamos com o passar dos anos. Além, é claro, de algumas abstinências, dores adicionais nas juntas e a vista cada vez mais curta.
E isso é dito e certo. Só pra ilustrar, no dia do meu aniversário, dos convidados, todos ali na parelha comigo em termos de longevidade, nenhum consumiu bebida alcoólica. Não rolou uma gelada sequer. Quando ventilamos a possibilidade de mandar trazer umas duas ali da esquina, para um brinde, foi mais quem deu pra trás alegando uma restrição de estômago aqui, uma alergia ali, uma pequena cirurgia acolá. Se meu médico souber, me engole, disse um que tava tomando antidepressivo. Um outro cuidadoso disse que estava dirigindo e...
Mau sinal. Esta situação impensada, até pouco tempo, só me abona a idéia de recorrer ao Cartola e ao cinismo como uma saída para eventuais constrangimentos.
Algo de bom, porém, deve nos apresentar a vida, para nos redimir dos pecados amealhados pela idade, para nos mostrar que a fase não parece uma coisa bizarra como um sapato 45 bico largo. Não.
O aprendizado, acho que é o nosso troféu. Com o tempo passamos a entender mais as coisas. Por exemplo: a libido para mim, deixou de me perturbar como um intrigante caso em que o artigo no feminino se aboleta com o substantivo no masculino, resultando numa das mais salientes silepses de gênero já registradas na língua portuguesa. A libido para mim, passou a ser simplesmente uma conquista diária. Incontestável e irrevogável.
Agora estou mais atento mesmo é às questões de gênero. Arraigadamente atento. Às favas as silepses.

Mas, bom mesmo, foi no dia do nevessário. Abracei os meus colegas da Universidade, almocei camarão rosa na casa da Engenheira Paula Fernanda, ganhei dois livros porretas num sorteio da rádio, encontrei a futura bióloga Rutinha (um exemplar raro da morenice barcarenense, mas que ainda tá me devendo uma pesquisa sobre aquela árvore lindona que tem no caminho da Federal), que há muito eu não via, e apaguei 45 velinhas ao cair da noite, cercado das pessoas que amo, e que por certo, me amam também...Com a casa decorada por singelos balões amarelos. 

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