sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Crônica da semana-coisar

Alguém apareceu no quintal (O flagra)
Naqueles tempos, havia apenas três telefones públicos no bairro. Um no Supermercado Carisma e outro no Pisco, localizados no eixo da Pedro Miranda e um outro deslocado para as quebradas, no bar Pedra Noventa, que ficava na Lomas com a Marquês.
(Ela morava por ali, ao pegado do Pedra Noventa. Não tinha telefone em casa. E também, o telefone do bar prestava-se mais para coisas do dia-a-dia: acionar uma ambulância, deixar recado para amigos, matar saudade de parentes distantes. Para os reclamos da paixão, não servia não).
Além do telefone público, um ar de vanguarda também pairava sobre o Pedra Noventa. Algumas fichas caiam sobre os jovens que se juntavam por lá e sobre a petizava que orbitava as reuniõezinhas dos grandes. Nessa época conheci sons profanos como o do Creedence; alucinados, como os ponteados de Santana, e ainda uns bregas em francês que marcavam as contradanças nas sedes do Santa Cruz e do 15. Eu não me metia na parada dos grandes, mas ficava ao largo, orbitando...
(Um dia ela me chamou para ver alguma coisa no quintal. A casa era quase de esquina. Tinha uma fachada clara, e um amplo ‘chagão’. Era por ali que a gente chegava, sem ser vistos, à sombra dos cajueiros. Ficamos por ali, falando coisas banais, catando sementinha do chão, fofocando temas do vulgo...Era um terreno úmido, um barro escuro e liso. Havia uma valetinha encostada da cerca, por onde escorria a água que vinha do jirau e ia dar num fundo cheio de capim. Um pé de café, um de caju, duas goiabeiras e umas quantas pimenteiras, completavam aquela paisagem agradável e perfumada).
Entre os grandes, que já tomavam uma coisinha mais forte e ouviam jazz, no balcão do bar Pedra Noventa, alguns já galgando degraus importantes na vida. Haroldo, calouro de Letras, com a cabeça raspada e a boina da Federal e Corôa, graduando e já versado em Engenharia Florestal na Escola de Agronomia do Pará. Galo, Torto, Pindoba, Nazaco, Pela-Pela, Deonde e Lourival, completavam a turma. Com destaque para Lourival que além de contumaz frequentador do balcão era um músico de primeiríssima e, apesar do joelho bichado, mandava prender e mandava soltar, como quarto beque, na zaga do Natal. Todos, de certa forma, eram meus ídolos. Não sei bem por que. Talvez pela tez libertária com que recobriam suas vidas.
(Naquele dia, o bar Pedra Noventa estava movimentado. Alguém tinha trazido uma fita nova, de uns grupos caribenhos, e o dono a pôs pra tocar a tarde toda. No quintal, estávamos a sós, nos sentíamos protegidos pelo alvoroço que ocorria na rua. Largado, quase no meio do terreiro, havia um camburão. Um tonel, um tambor desses de 200 litros. Não sei o que aquilo fazia ali. Não combinava com nada naquele quintal, a não ser com minhas propriedades anatômicas. Ela me dobrou sobre o camburão e eu me ajeitei com as costas alinhadas sobre ele. Fiquei assim meio indefeso. Segurou minhas mãos acima da minha cabeça, pressionou o corpo contra o meu e começou a falar. Tinha uma dicção ruim. Eu até entendia o que estava implícito naquela situação, mas me faltava o texto, a verbalização. Ela desandou em verbos que não sei explicar até  hoje direito quais eram. Imagino. Amar, beijar, coisar, deitar, deixar. Fazer, ter, beber, comer. Tinha uma dicção ruim. Subir, tirar, sentir, abrir, bulir. Tinha uma pronúncia ruim, e até me pedia respostas. Meu corpo respondia não com palavras,  eu era ainda bebê, apenas orbitava os rapazes mais taludinhos. Minhas costas doíam. Umbora, dizia ela e aí eu entendia...).
De repente, alguém apareceu no quintal e não havia telefone na casa.

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