sexta-feira, 30 de agosto de 2013

crônica da sema-espelho sem aço

Espelho sem aço



Muito bacana, a matéria do Fantástico no domingo passado que relembrou como era a vida de uma família que se atava assim, assim, com algumas coisinhas dentro de casa, que tinha algumas posses, no início dos anos 70. Vários utensílios, móveis, eletrodomésticos, bens de consumo (e também os penduricalhos do mercado virtual porque o telefone, a gente não pode esquecer que era um ativo financeiro, valia uma boa tacada na bolsa. Além do trim, quando a gente comprava um, a linha já vinha com umas ações embutidas) daqueles das antigas, foram reinseridos na rotina de uma família moderna. 
Mais que os atropelos temporais de uma família classe média, a  reportagem me despertou para o cotidiano de uma boa parcela da população que naquela época, não estava muito aquela de intimidade com estes mimos consumistas. Ou quando tinha um a ver, se viam era sim, com adaptações, funcionalmente desafiadoras. 
Televisão era um exemplo. Minha avó tinha? Tinha, mas...
Naqueles meados da década ainda vingavam as TVs em preto e branco, à válvula. As mais chiques tinham suporte em madeira que pareciam armários abrigando o aparelho. A da vovó, não. Era uma ‘Empire’ com quatro cambaleantes pés, seletor daqueles que estalavam, faziam um terequeteque assustador, ao serem girados na hora de trocar de canal e uma antena fincada numa base plana às vezes de cerâmica, outras de madeira ou de qualquer material que fosse pesadinho o bastante para não ficar caindo ou virando o par de varetas metálicas a todo instante. Tinha vezes que a gente tinha que posicionar a base da antena quase lá na cumeeira, pra ver se parava de passar aquela listra tremida e super chata que enfeiava a imagem.
A transmissão era um pé pra sair do ar. Sumia a imagem e ficava só o chuviscado na tela. A gente costumava a dar uns pisões fortes, no assoalho, aquilo parece que mexia com os brios da bicha e na maioria das vezes, a imagem voltava. Quando não voltava é porque o problema não era de humor do aparelho ou de um contatozinho carinhoso, é porque ‘era lá’. E se ‘era lá’, nem as chacoalhadas no piso traziam os programas de volta. O jeito era esperar.
(Quando chegamos do Acre, nós os Sodreres, moramos um tempo com minha avó, que tinha uma casinha modestamente mobiliada. Era uma casa arrumadinha com bibelôs de bailarina, elefantes, pinguins, na mesa de centro. Usufruíamos do que se tinha).
Embora fosse cheia de limitações, a TV era um vício garantido. Minha avó não largava o olho dela e ai de quem atravessasse a sala na hora que ela estivesse vendo o “Balança Mas Não Cai”. Logo que ela ralhava: “sai da frente, espelho sem aço”. O que isso queria dizer, até hoje não sei. Mas que era rapidola que o moleque saía da frente, ah, isso era.
(Depois de um tempo, ainda naqueles entremeios dos anos 70, fomos, os acreaninhos, morar sozinhos. Na casa nova, não tínhamos nada. Fomos juntando as coisas aos poucos. Redes, eram duas, para quatro. Revezávamos, e a mim, que era o único homem, eram garantidas as noites na cama patente, que era como a mamãe chamava aquele arrumadinho de panos no chão. Televisão era a da vizinha. Geladeira, os acreaninhos não tinham. Nem filtro, nem pote. Tínhamos uma bilha que conservava a água geladinha. Não éramos uma família típica da sociedade brasileira e isso para mim é um passado cheio de ensinamentos para o meu presente, ainda mais hoje em dia, neste mundo tecnológico em que pouca gente entende a importância de uma bilha na hidratação de personalidades, onde o Fantástico e pouca, muito pouquinha gente imagine o que seja, funcional e emocionalmente, uma bilha). 

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