quinta-feira, 15 de novembro de 2012

crônica remix- dígrafo


Dígrafos, Similares e a Pedagogia Moderna

Este ano foi a colação de grau da minha filha. Da alfa. A menina aprendeu a ler e a escrever e ganhou uma festa robusta com pompas, circunstâncias, look de princesa, entrega de diploma, flashes e chororôs na platéia, tudo sob o aval da pedagogia moderna.
Festa para criança com a suntuosidade dos eventos de gente grande. E eu acho até que a festa é mais para a gente mesmo, os pais (para as tias da escola, para a diretora, para o fotógrafo...) do que para as crianças.
Não sei se este tipo de celebração é parte do legado deixado por Paulo Freire aos oprimidos pelo sistema. Só sei que no meu tempo, não era assim. Nem pelo apego à celebração, nem pelos métodos de aprendizado.
Quanto ao método, minha mulher me atualiza dizendo que hoje em dia é assim, pelas famílias. Tem a do bê. Ba, be, bi, bo, bu e o bão; e assim por diante. Eles juntam as famílias e vão formando as palavras, na escrita, na leitura, e parari, parará, arremata a minha mulher, deixando escapar um ar de discreta simpatia por estes métodos modernos.
E eu, inquieto, me pergunto: e o ene-agá-nhá, minha flor? E o éle-agá-lhá? E a arte de soletrar? E a sonoridade das construções labiodentais do tipo “vovô viu a uva” e “a uva é de Ivo”?
Antes as palavras surgiam sofridas dos dígrafos: bê...ó, bó; éle...i, li; ene-agá-nhá...Bolinha. Cê...á, ca; ésse...i, zi; ene-agá-nhá... Casinha (neste caso, também com o conflito fonético implícito no ésse com som de zê). Éfe, ó...fó; éle-agá-lha...fólha (e partia-se, intuitivamente, para o ajuste no som do ó: fôlha.
A cartilha apontava: A bola é de Mauro. E até hoje percebo que, mesmo ante a pedagogia moderna, o martírio continua o mesmo, para este érre intrometido de Mauro. Especialmente para este caso, no início da Alfa, minha filha se estressava horrores e dizia “ ah, eu não sei. Às vezes é rá, (como o rá de caramba) às vezes é rá, (como o rá de rato)...ah, eu não sei”, inquietava-se e chutava o pau da barraca. .
Eu acho que a arte de soletrar, hoje, daria bons resultados e ajudaria a desmistificar uns e outros fantasmas fonéticos. A palavra sexo, tão incompreendida, por exemplo, seria dissecada: Ésse, é...Çé. Kê, i...Ki. Cê, cedilha...ó. Çéquiço. Táxi, outra palavra segregada pela pronúncia, seria restaurada: Tê, á...tá. Kê, i...Ki. Cê, cedilha...i. Táquiçi..
Eu tenho a  plena consciência da insignificância do meu papel de pai nessa história e, enfim, de que adiantam divagações sobre as “pronúncias pausadas na assimilação das primeiras palavras” (definição do Aurélio para o verbo soletrar), quando o mundo exige a rapidez de uma nova linguagem. E taí, reconheço que, o que é verdade, é que a minha menina, antes da festa e dos badulaques na cerimônia de colação de grau, realmente, antes de tudo, já sabia ler e escrever. E eu  aqui, com as minhas preocupações atemporais sem sentido. Admito, forçosamente, estar errado, mas num último fôlego de resistência reitero a teima: antes, caneta Bic, só se utilizava a partir da quarta série. Antes disso, só lápis. Só o lápis indicava o Suave Caminho...

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