sábado, 10 de novembro de 2012

crônica da semana- tremer


Acho que vou tremer

Não é querer falar mal da vida de ninguém, mas, pera lá, em alguns casos, ‘não tem as condição’. E nem é falar mal de vera. Digamos que é só um desabafo (que talvez nem tenha sentido) ou um toque (que, pelo que reza o comum, será categoricamente, desprezado). 
Houve então d’eu passar os últimos dias me batendo com vaivéns em laboratórios e hospitais por conta daquele famoso check-up anual. E desta empreitada a gente sabe o resultado: os males escondidos, os reveses da idade, as insatisfações do organismo vão aparecendo, dando as caras e nos aborrecendo. 
Travei de novo na PA. A bichinha, parece que adivinhou. Não sossegou um instante. Parece que sabia que eu tava me checando. Ia em cima, ia embaixo e a porqueira estuporando. Excitada. Batendo nos vinte, na sistólica. Claro que cismei e cuidei. Fiz um intensivão de vida saudável, respeitei direitinho os horários do medicamento, colori o prato, exorcizei o sal. Procurei (em tentativas vãs) não me enfezar  e monitorei a pressão até que a zinha se aquietou. Só assim consegui cumprir o rito e fazer aquela corridinha na esteira (com a pressão elevada o médico me balou duas vezes. Não deixou nem eu dar um piquezinho). 
Uns quantos dias de peleja e me habilitei à consulta final com o especialista, donde viria o meu laudo amplo, geral e irrestrito. 
Juntei os meus ‘papel tudinho’ e sentei frente à fera... A consulta durou exatos 3 minutos e dois segundos. Eu sei, seu sei que tem gente que acha que paciente gosta de ser bajulado, de ser paparicado. Gosta de contar de dores que não tem, de tremores que hão de vir (mamãe era campeã. Sentava na cadeira do consultório e disparava: “acho que vou tremer, doutor”. E ele retorquia: “Mas como vai tremer, dona Luzia, ou a gente treme ou não treme, não existe esse negócio de vou tremer”). Não era o meu caso. Como vinha de uma odisseia em busca da sisto/diastólioca perfeita, pensei que a prosa iria mais além. 
O médico me cumprimentou, pegou meus ‘papel’, folheou as laudas, sisudo. Resmungou algo, virou-se para o computador e se danou a datilografar. Te juro: se perguntassem pra ele se eu tinha um piercing atravessando o nariz, se o meu cabelo era azul, se gaguejo ou se se tenho a tez escandinava, ele não diria um ai, porque nem me olhou e sequer um ai pronunciou, até aquele instante. 
Penso cá comigo que se fosse na rede pública, é porque era na rede pública, mas pô, era um hospital particular e não dos mais baratos (ah, tá, alguém pensa, lá vem aquela carência de paciente querendo tico-tico e nnheco-nheco, abraços e carinhos sem ter fim,  de doutor. Digo que não era não. Na minha ingenuidade, pensava que  ao menos ele ia medir minha pressão depois da cara que fez enquanto redigia o laudo, mas quite). 
Voltou do computador já com a prescrição. Tateou o bolso, achou uma caneta, rabiscou o pé da página. Ergueu os olhos (nessa hora tomou ciência de que eu não usava piercing) e iniciou o discurso (oba, eu pensei, agora vamos interagir, e só de mal eu vou dizer que vou tremer). Franziu o cenho e deslanchou, assindético, nas premissas. “Hipertensão, o senhor sabe, não tem cura”. “A pessoa deve ser consciente”. “Avaliar seus hábitos”. Bacana, eu estava gostando. O ritmo tava bom. Imaginei o desfecho, o epílogo daquela prosa. Foi quando ele deu por falta do carimbo. Fez umas buscas, ligou pra alguém. Quando achou, não retomou a conversa. Carimbou e me repassou as duas folhas, fez uma recomendação corriqueira e me mostrou a saída. 
Deixei o consultório insatisfeito, claro. E a interação, e o desfecho, e o epílogo? Ai, acho que vou tremer. 

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