Amar e outros medos (parte III)
O ônibus avançava pela Boulevard (como prega o nosso paraensismo) ou ‘pelo’ Boulervard (como previne a etimologia) Castilhos França em desabalada. Pegou aquele estirão desde o igarapé das Almas e disparou em direção ao Ver-O-Peso sem dar muita trela para a comodidade dos passageiros. Uma ou outra vez o motorista aliviava o pé do acelerador, talvez pela presença de um buraco, uma ondulação na pista, mas logo a seguir, apimentava de novo. Isso provocava  uns solavancos suspeitos dentro do coletivo. Mamãe pirou com aquilo, com aquela barulheira entrecortada do motor, da lataria, do asfalto roendo os pneus. Deu um nervoso nela.
Havíamos chegado do Acre não tinha um isso de tempo. Artes como Boulevares, ônibus balangando, pneus cantando, motor acelerando e desacelerando eram novidades. Bateu o pânico. Mamãe se levantou do meu lado sem saber exatamente o que fazer. Fez menção de sair para o corredor, mas retrocedeu. Agarrou-se à haste de ferro do banco da frente, como se procurando a máxima segurança e começou a gritar descontroladamente que o ônibus estava sem freio, que a barra de direção estava quebrada e que ai meu Deus, vamos morrer.
Eu ali do lado dela, não sabia se ficava com o medo ou com vergonha. Não, pera, num primeiro momento, fiquei com vergonha. Levantei discretamente, chamei baixinho, ei mãe, ei mãe. Depois sentei de novo cabisbaixo. Percebendo o alvoroço, aí foi que o motora deu uma chacoalhada no veículo, nessa hora todo mundo cambou prum lado do carro, inclusive eu que varei destrambelhado para o corredor. Mamãe segura estava, segura ficou, gritando. Nessa hora, tentando me equilibrar no corredor do ônibus, fiquei com medo.
O fuque-fuque só foi parando, acalmando, quando avistamos, no meio da pista, imponente, mas com a simpatia de sempre, o Arquimedes. Gesticulava, indicava, direcionava. E o ônibus foi reduzindo a velocidade, atendendo às orientações daquele guarda de trânsito fora de série. Descemos no clíper da Portugal aliviados. Minha mãe ainda proferiu uns elogios cáusticos ao chofer enquanto descia os degraus, mas dali, nos aprumamos e seguimos rumo à Lobrás, para a compra dos sortimentos de ocasião. O medo, porém ficou...
Alguns medos, desconfiava que não eram normais. Depois que foi comprovada cientificamente a total impossibilidade, reconheci ser besteira mesmo aquele medo de morrer prendendo a respiração. Brincava-se disso na escola, na rua, mas eu, heim, passava longe. Tinha quase certeza que se ficasse sem a suspiração por um zilhonézimo de segundo, apagaria, mas dizque não.
Agora, perder respiração por farinha no grugumim (ou goto), ah isso eu tenho pavor. E olha que aqui, ali, acontece. É batata, um bombonzinho mal chupado, uma farofinha desencaminhada, uma salivada de través, aí já era. Aperreio na certa. A gente vai esverdeando a tez, arregalando os olhos, gesticulando. Uma situação. A trava é tanta que fiz um curso de primeiros socorros e aprendi até a tomar uma ação nesse momento. Vou ensinar caso alguém me perceba ficando verde uma horinha dessas. É só passar para trás do asfixiando, e como se estivesse lhe dando um forte abraço, pressionar a barriga logo abaixo do peito. Isso faz com que a glote se abra (ou expulse o corpo estranho) e a pessoa volte a respirar normalmente. Não se deixe desmaiar. A gente mesmo pode se salvar.
Sobre o amor digo apenas que Ame/ Enquanto meu cansaço/admite Que/ De minhas vestes/ Resta o lado dolorido/ De teus cuidados/ Escarro vermes coloridos/ De meu futuro/ De teu futuro/ Compro cartas/ Faço jogos/ Traio a massa/ Cresço louco.