sábado, 1 de setembro de 2012

crônica da semana- escalda pés


Escalda-pés
Tal qual o personagem do Dalcídio, também errei de classe, uma vez. Foi na oitava série. Não sei por que cargas d’água, faltei uns quantos dias, no início do ano letivo e, como vinha numa sequência de aulas à tarde, no retorno me meti numa sala e por lá fiquei bestando. E ainda todo cheio de razão, reclamando com os professores porque meu nome não constava na chamada. Lerdeza mesmo. Estava matriculado no turno da manhã.
Quando varei na minha turma de verdade, estava mais perdido que guarda da Ctbel no BRT. E foi exato no dia de uma aula estranha que pensei ser Biologia. A professora mostrava uns desenhos do sistema respiratório. Falava do caminho que o ar fazia dentro da gente, da posição da língua, mostrava a arcada dentária. Para mim, aquela aula era de Ciências.
Que nada. Era de Português. Caramba! Morria e não sabia que aquilo era um viés da Fonética. E quando soube, olha, olha, foi um custo quedar-me à razão. Para eu me entender com os sassaricos da língua entre os dentes, com os estalos do palato e com o caráter fricativo alveolar vozeado do zê, foi uma briga com os meus paradigmas, um embate com os meus inconformismos, uma queda de braço com as minhas crenças. Mas passou. E fiz uma oitava série de muito aprendizado com a professora Cleide Nascimento e de momentos muito prazerosos com um feixe de coleguinhas fantásticos dentre eles, as minhas paixões Eduardo Figueira de Farias Neto e Alba Maria de Sousa Thomás (e por falar em saudade, onde andam vocês?).
Depois dessa, não cometi mais furos tão desatinados. Dei de observar, assuntar, perguntar as coisas, pra não me perder nas primeiras manhãs, no mundo e no prumo.
E olha que este mundo, heim, é expedito, dá voltas que nos deixam azuruotes, tontos de perder o rumo. O mundo, já diz a sabedoria do interlã, ‘mundia’. Faz de um tudo pra gente errar de classe e emboletar as leis e ciências. Aí dá o piti, rola o estresse, um chiliquito ensaia te derrubar. O rubor cresce na face, as’urelhas esquentam, um ligeiro tremor nas mãos precede a sudorese, o espanto te faz gritar, a agonia emerge fremente. Não sei por que cargas d’água, às vezes parece que a gente tá se perdendo na oitava série.
Aí, a gente corre para o escalda-pés. É um santo remédio. Cura tudo. Até lerdeza.
O pé tem 26 ossos. Cento e poucos ligamentos. Trinta e tantas articulações. Uma ruma de músculos e algumas milhares de terminações nervosas que se comunicam com todo o nosso corpo. O pé sabe muito da gente. É a parte do corpo que reclama quando a coisa tá desandando (com perdão do trocadilho). Diz logo que não tá satisfeito. Da mesma forma, quando aliviado, leva a comodidade e o conforto para as fronteiras litisconsortes do nosso organismo.
Para males e apreensões, o escalda-pés cai bem. Água morninha, uma essência, algumas ervas, uma pitada de paciência. Ou somente águ’e sal. Mamãe dizia que um pé mergulhado com fé “tira essa coisas ruins tudinha da gente”.
(Sabe, um dia desses, mudei minha rotina. Vi-me numa situação, como se fosse aquele primeiro dia atrapalhado de aula do Alfredo, personagem do romance Primeira Manhã, do nosso grande Dalcídio Jurandir. Ou mesmo, parecida com aqueles meus dias perdidos na oitava série B, da tarde, no colégio Jarbas Passarinho. Éraste! Me vi aperreado. Parece que todo mundo me mexia, me pilheriava, me zoneava. Era como se falassem “ei, bestão, tás na sala errada”. Mas ora, se não me aviei. Quando cheguei em casa, pus a água pra esquentar, enchi uma baciinha, sentei numa cadeirinha baixa, fiz um escalda-pés e meio vergado para o futuro, me desemboletei de algumas ciências e leis).

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