sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Crônica da semana - pé de alface


Pé de alface
Nos últimos tempos, tenho encontrado com amigos meus de eras áureas da Mauriti. Morei boa parte da minha vida ali, na biqueira do cinema Paraíso e de confronte do Aguenta o Tombo, o grande campeão do carnaval. De lá trago boas lembranças (assusta-me, porém, o status da longevidade média da minha turminha. Isso não posso esconder. Aqui, ali,  quando entabulo uma conversa com um contemporâneo e tentamos escalar o inquebrantável plantel do Internacional da Mauriti, sempre falta um atleta. Infelizmente, uma parte considerável do nosso time saiu de campo ainda com o jogo em andamento).
São recordações de um jogo que não se dava somente naqueles campos lá pras bandas da Augusto Montenegro. Ele se realizava no meio-fio das nossas vidas, no asfalto quente da rua ou na sombra das acácias. E cada um de nós mirava um sonho bom para o futuro.
O meu era simples. Inspirado numa cena de sábado. Eu tinha o costume de, à hora do ócio, ouvir a minha AM preferida, em frente à vila que eu morava. Me aquietava à sombra de uma árvore e ficava apreciando o movimento...quando Zizi Possi cantava “ai, meu bem-te-vi um sonho/ai, meu bem, meu bem-te-vi sonhar”, cantava com ela (sim, naquela época tocava Zizi Possi, nos programas de rádio populares). Era a hora que o pessoal voltava da feira com as compras. No sábado a aviação era mais sortida e mais densa. Eu prestava atenção nas sacolas. Delas, sempre saltavam frondosos pés de alface, cordas de feijão verde e maços de cheiro e couve. Eram componentes especiais para o fim de semana. Diferentes do feijão e arroz cotidianos. Sábado e domingo a mãe variava e fazia uma salada, uma gororobinha de legumes, um charuto de couve...
Mas, ora, era mesminho a hora do nosso encontro. Vinha ele, como se houvéssemos combinado. Como uma regra imutável, um compromisso inabalável. Uma missão.
A roupa mínima de short e camisa de botão desabotoada no peito, um chinelo verde roído no calcanhar, talvez um boné e muita dignidade. Percebia uma certa altivez, um orgulho naquele caminhar, com se me mostrasse, olha, assim que se faz, é assim que se mantém uma família, se provê a prole com o de cumê mais aquele de arrumado no sábado.
Aquela cena me comovia, me fascinava. Pensava cá comigo que quando eu crescesse, trabalhasse, ganhasse o meu dinheiro, ia ser igual aquele jovem pai. Pensava que também poderia prover meus filhos de comida e dignidade. E filhos. Filhos... Me encantava ver ele cumprir aquela missão, ladeado de meninos.
Eram uns três ou quatro, não me lembro bem. Sei que era uma escadinha, um seqüente ao outro de mãos dadas, do menor para o maior, o mais gitinho, agarrado ao short do pai. E acho que falavam entre si, desenvolviam prosas e risadas, tornavam aquele momento agradável, de afetos, de cumplicidades e comunhão. Trazia também, invariavelmente, uma saco robusto de farinha alçado ao ombro. Não via descontentamento ou cansaço nele. Era clara a sua satisfação. Estava sempre atento aos meninos. Uma maravilha aquilo, Uma imagem inesquecível.
E era este o meu sonho, ali embaixo do pé de acácia, na entrada da Vila Mauriti. Ser um pai de responsa. Fazer o caminho da feira carregando uma sacola sortida , cercado por uns quantos meninos e pleno de amor.
Encontro meus contemporâneos, e me ponho a lembrar da nossa patota. Tento recompor uma zaga que não mais existe. A longevidade me preocupa. O jogo, o jogo. Mas, miro no meu sonho. Meu jogo ainda está em andamento. Na sacola ainda cabe um frondoso pé de alface. E se a chance me for dada, encaro de bom grado, uma prorrogação.

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