sexta-feira, 11 de março de 2011

crônica da semana


O Galo enfezado
A ponte do Galo, a gente sabe, é famosa ali na confluência da Mauriti com a Senador Lemos. É um lugar emblemático. Fica no meião dos bairros da Pedreira, Telégrafo, Sacramenta, Barreiro... E se encaixa coniventemente, ao inimputável território do Acampamento. E porque é ponte, liga uma margem à outra do igarapé.
Fora esta referência geográfica (locada, retratada e maltratada vez ou outra na mídia), nunca um movimento do Galo me chegou de forma tão espalhafatosa. Sempre foi o igarapezinho discreto que correu por anos e anos, sem muito alarde, e com rigorosa serenidade ao encontro das águas fartas da baía do Guajará, respeitando os territórios amigos.
Mas vou te contar. Do jeito que estava, na sexta-feira, véspera do carnaval, não tinha visto o Galo, ainda. Enervou-se. Saltou do leito confortável e tomou as margens. Invadiu casas, estabelecimentos comerciais, somou-se ao asfalto e às Acácias que sombreiam a Pedro Miranda. Fez e aconteceu. Ali, à entrada da Pedreira, a água estava dando, como diz a galera, no ‘imbigo’.
Acho que se estressou o nosso igarapé. Com razão. Está muito mal cuidado. Em toda extensão, o Galo está totalmente obstruído. Tirando aquelas mal’educações que a gente conhece bem, de lixo, garrafinhas plásticas, sacos do supermercados e afins, o Galo ainda ostenta uma indesejada biodiversidade (sim, porque toda unanimidade, mesmo aquelas ecologicamente sacrossantas, sabemos, é burra) nas ilhargas. Grassa uma floresta, no leito do Galo. Tem árvore deste tamanho elevando-se das margens. Aí não tem combate. Nem é preciso saber da teoria (a mecânica dos fluidos, o fluxo turbulento, o coeficiente de Reynolds) pra saber que quanto mais obstáculos, menor a vazão de escoamento da água. Olha no que deu: água no ‘imbigo’ e muita aporrinhação, na sexta, véspera do carnaval.
Lembro que, lá pelos idos de oitenta e poucos, quando namorava com minha mulher Edna, a região crítica de alagamento ficava ali entre Itororó e Alferes Costa, na dita baixa da Pedreira. Era um sufoco pra ver a minha pequena, mas eu me abalava lá pra Perebebuí.  Confesso que se não fosse o fogo da paixão, não ia não. O trecho era um charco de perder de vista. Titubeava um tantinho, ficava por ali, contando os passos, mas depois me animava. Enrolava a perna da calça, buscava uma beirinha de tabatinga segura, me agarrava aos cercados de casas próximas para ir me equilibrando e me danava por aquele estirão. Quando saía lá do outro lado, o mundo me sorria, porque minha amada estava lá a me esperar. Mas nosso amor tinha sempre que esperar um pouquinho, até que ela, com uma ponta quase insuportável de asco, conseguisse retirar as ‘chamichugas’ que eu ganhava como hóspedes, no tornozelo, durante a travessia. Ah, o amor!
Como disse, naqueles tempos, ali onde hoje é a Aldeia Cabana é que era a agonia. Um eterno alagado. Outros transtornos até que haviam, mas nem de longe se equiparavam ao sofrimento da baixa. Do Galo não se ouvia notícias.
Hoje, graças a um trabalho de responsa feito no traçado do igarapé da Pirajá e entorno, aquela área não alaga mais. O estirão deixou de ser o igapó da baixa para ser a passarela do samba. Pra ver, né. Vontade política, zelo com a grana pública, competência técnica (olha o coeficiente de Reynolds aí, gente!) são ingredientes indispensáveis para se construir cidadania. E vigília, porque se dormir, o mato cresce e obstrui o canal.
Uma pena. O Galo corta a Pedro Miranda logo após a praça Eneida de Moraes. É a porta de entrada para o nosso bairro. Tá enfezado, o bichinho, com tanto descaso. E a água veio dar no ‘imbigo’.

3 comentários:

  1. oi sodré, muitas partes de belém precisam de mais cuidado. o descaso do poder público com a cidade é indiscutível e nessa época de chuva os problemas só pioram.

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  2. O galo mostrou que é grande e cantou! heheh beijos!

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