segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

crônica da semana - escola salesiana

 O pés de espinafre do Lora

Nem bem publiquei a crônica da semana passada, e me chega, de uma forma muito sentida, a notícia que nosso tencionado museu da Pedreira já vai hospedar outro símbolo do bairro.

Uma missa, o encontro de comunitários dos mais remotos recantos, ex-alunos e alunas, crias do semi-internato, agregados que nem eu e fiéis colaboradores, despedem-se de parte da Escola Salesiana do Trabalho, e, pelo que apreendi, a parte mais genuinamente salesiana. A capela, o grande refeitório, as oficinas, o pequeno canteiro em que o Padre Lourenço (nosso Lora querido) cultivava voluntariosos pés de espinafre. Não é exagero dizer que parte de mim, da minha personalidade se desaprega tijolo por tijolo, também, daquela edificação absolutamente representativa para todos nós moleques da Pedreira e alhures. Fundamental para nossas fomes saciadas de fé, de saber, de fazer e de pão (com Q-suco).

Foi numa tarde chuvisquenta de maio que tomei contato pela primeira vez com uma obra inspirada em Dom Bosco. E foi de um jeito cheio de sinais, de preciosos detalhes. Cheguei pelas mãos do, hoje jornalista, Edir Gaya. Ele, já uma liderança de realce entre os jovens. Eu, um desguiado sem rumo. Até aquele dia, não dava a mínima para qualquer interação com igreja. Umazinha de crença que fosse. Edir se engraçou de mim, entre os colegas da Escola Técnica, e me pescou para participar da pastoral de jovens. Nem primeira comunhão eu tinha no currículo. Saímos da ETFPA debaixo daquela chuvinha, cruzamos os estirões a pé. Já perto, baixando pelas pontes da Perebebuí, encontramos Neuza, dirigente dedicada, super envolvida nos planos da pastoral. Caminhamos juntos (o nome do grupo de jovens dos salesianos era ‘Caminhada’). Enquanto vencíamos as pontes até o asfalto, eu me ligava na conversa deles. Atualizavam agenda, discutiam planos, relacionavam equipes. Percebi como eram empenhados, como falavam uma linguagem de responsabilidades. Artes distantes demais do meu ócio e das minhas solidões saindo da adolescência.

Quando chegamos, fui ter com o diretor do grupo, à época, o padre Atílio Bellandi. Em breve entrevista, ele me informou que mesmo não sendo aluno da Escola, e sem professar nenhuma crença, eu havia sido indicado e agora ele me convidava a participar das atividades do Movimento Caminhada. Perguntei o que aquilo queria dizer, como era viver esta outra vida de compromissos com aquela parte da igreja. E ele respondeu me impondo o desafio. Deu o exemplo do açaí. Qual o gosto? Como se toma açaí? E adiantou. Só experimentando. Para definir minha vida como salesiano, tinha que experimentar.

Por mais de três anos, vivi com os salesianos, as melhores, as mais ricas experiências da vida que pude julgar e compreender. Assumi posições de liderança, penetrei nos interstícios da alta coordenação da Escola (tinha até a chave do teatro, de umas salas, era conhecido dos cachorros). Penso que contribuí para que a vida da nossa periferia fosse melhor. Partilhei a fé, busquei obras e a paz no espírito. Juntei perto de mim, pessoas maravilhosas que até hoje me são fontes de inspiração. Viajei, me distanciei na fé. Nem foi causa de ir tão longe.  Mantive continuado contato, pelo respeito e carinho que tenho com a EST.

Padre Lourenço tinha na sala dele, um mosaico, não com imagens dos louros do trabalho que ele realizava na área. No quadro estavam as fotos de garotos que ele havia perdido para o mundo. Muitos não para este mundo. Alguns presos; outros, desguiados, como se dizia. Aquele mosaico o inquietava. Inspirava o inspirado Lourenço todo dia ser mais forte e mais radical na batalha pela vida.

Vale chorar. A fachada da Escola Salesiana vai se somar às imagens no mosaico da memória pedreirense. Mas jamais nos desanimando. Sempre e cada vez mais fortemente nos estimulando a lutar por um mundo melhor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário