Abeirando
O
jeito é um chá, depois do caso passado. Porque os caminhos se escondem se as
águas sobem. O céu não dá a direção. Nenhuma estrela me guia. O vento é moleque
travesso, atravessa os rumos, me mundia e me joga ao chão das desolações. A
chuva vem de frente, de lado, por cima, por baixo, di’cunforça, sem cerimônia.
E nisso a água vai dando no ‘imbigo’; que foi? Caí no poço e voltei com a perna
minada de chamichuga. As águas caem do céu sem barreiras, fartas,
indisciplinadas, livres sem prestar conta a ninguém. Abro o guarda-chuva, mas
tem uns 5 ferrinhos tortos ou quebrados e a um golpe de ar, minha proteção vira
do avesso e levanta voo. Gotas deste tamanho me atacam. Não resisto, lambo os
beiços daqueles pinguinhos que dão uma coceirinha no buço, aperto e depois
arregalo os olhos. A Pedreira lá na frente. Notícias dão conta que a maré tá
cheia. Hummm. Não é pra’gora.
Então
um chá para acalmar se caminho não há. Faz arrodeio, vai por ali, ‘dizem-me
alguns com olhos doces, estendendo-me os braços, e seguros de que seria bom se
eu os ouvisse...”. O Acampamento não é opção. O Galo transbordou. A Marquês é
interflúvio inseguro, de baixa altitude, sem garantia. Voltar na mesma pisada
não volto.
Um
chá para acalmar. Minha Pedreira querida, do samba e das superações. Do amor e
das decisões. Não vou por ali. enrolo a calça. Isso não é chuva que me pare.
Laços fora, guarda-chuva fora, medos fora, orgulhos e soberba, fora. Sigo
abeirando. Liberdade, conquista. Intimidade com o meu lugar. Carinho, afeto,
solidariedade. Põe a geladeira em cima dos tijolos, levanta o sofá. Liga a
bomba. Rodo pra cima e pra baixo. Vizinha, me acode que eu te acudo. Menino com
água na canela se diverte. Carrega isso, muda aquilo de lugar. É noite de muita
agitação. Ninguém dorme. Maré cheia. Chuva forte. Planície de inundação, reação
natural. Um plus para a lixarada flutuando aqui, ali, e que, parando na boca de
lobo, contribui para a baixa vazão dos canais. Entra prefeito, sai prefeito,
poder público sem nome, macro, micro, zero drenagem. Não tem combate. O jeito é
se virar. Sobe piso, faz parede, reforça contenção. Não adianta, a água mina.
Explode em cada canto da casa, da rua, das consciências, das nossas noites sem
dormir, do lixo boiando, da voz miúda, do grito contido, da vergonha e
humilhação, da petizada em êxtase, dos mergulhos noturnos no canal, minha Santa
ajude! Debaixo do jambeiro, do pé de jucá, da quina da mesa. Mina água, exsuda
desilusão. Me acode, vizinha, que te acudo.
Desconfio
que o pampeiro este ano vem daquele jeito. Na brabeza, com beira e eira.
Aqueço
uma água. Em casa, escaldo os pés, cato chamichuga dos escondidos do corpo,
reflito minha aventura. Varei na baixa da Pedreira debaixo dum toró. Vi coisas
que pouca gente vê. Parece fala do replicante Roy em Blad Runner. E ainda teve
raio, corisco, relâmpago, notícias falsas, notícias verdadeiras, forças
diversas atuando. Zumbido no ouvido, tristeza, revolta. Mas não foi minha hora
cravada e certa de desistir.
Quando
dei na Aldeia Cabana, estava perto de casa. Só mais um suspiro. A biqueira que
derivava do telhado ondulado, estava afinando, a chuva amainava, lá ao longe,
na imensidão do universo, uma pinta brilhosa denunciava um rasgo na
cumulonimbus. Perdi minha chinela.
Essa chuva no início de janeiro, dá a letra e sinaliza confirmar umas teses de intensidade. Contei um período de julho a setembro, de secura total. Tem instrumento que não registrou uma gota de água em mais de quarenta dias, naquele período. Se o revés for proporcional, como prega a lei da ação e reação, pode se preparar que o inverno amazônico vai dar de dez e as águas vão subir além das nossas razões, das calçadas do centro histórico de Belém e também dos longes e marginais limites do Galo. Nos aviemos no chá, pra acalmar.
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