Paula e Bebeto
Um
tibum bem mergulhado no ano novo nos dá oportunidade de prestar reparo no
efeito baladeira, aquele exercício de reflexão que nos leva lá atrás, nos enche
de aprendizado, lições fundamentais e depois nos joga pra frente, cheios de
motivações. Por isso o título da crônica faz referência a uma canção do Milton
Nascimento. Não exatamente com os mesmos nomes, do jeito que está aí em cima.
Pelo meu enredo, o título seria Zé Carlos e Bebeto. Pus o título da canção do
Milton, pra funcionar como um chama. É música conhecida. Pode-se entender como
uma licença do cronista a uma pegadinha. No frigir dos ovos, tudo busca um
sentido porque pelo certo e reto, pesquei um verso desta canção que nos alerta
sobre o peso das palavras não ditas. E me agarrei a ele, eu que não sou besta
nem nada, para iniciar o ano falando da minha mais absoluta admiração por esses
companheiros.
Barcarena
fez 80 anos, no dia 30 de dezembro próximo passado. Contada mais para trás, a
história da região passa a ser centenária. Um dos vetores principais da
Cabanagem, Barcarena se eleva como portadora das ânsias e das lutas populares.
Aos historiadores cabem as medições e dimensões dos mais diversos setores
sociais na construção da personalidade da cidade. A mim, me cabe superar as palavras
não ditas e sustentar que a história de Barcarena, entre tantos ilustres, tem
que ter umas páginas dedicadas a Zé Carlos e Bebeto.
Eu
os localizo na primeira geração sindical do município ligada à atividade de
transformação. São da época da implantação do pólo industrial. Assumiram o
desafio de implementar uma versão operária à organização local, ramificada das veredas, dos escaninhos e varadouros de
rio que caracterizavam a região como extrativista e comercial. Esta nova
estrutura da produção demandava outras visões e entendimento do que nos
acostumamos chamar de relação capital/trabalho. E foi no meio das reflexões
hidratadas por ações decisivas de organização e conquistas que conheci Zé
Carlos e Bebeto. Me permito colocar os dois no mesmo bolinho de afeto, porque
eram assim, meio que unha e carne. Talvez haja aí um lapso, um desvio não
contado no tempo, e outros líderes tenham se destacado no chão da fábrica,
contudo, ainda no alvorecer do processo industrial, foi com os dois que me dei
e foi ao lado deles, inspirado neles que meu espírito se animou a grandes
batalhas em favor dos trabalhadores e do desenvolvimento do município.
Agora
na virada do ano me veio que demos uma virada na vida. Há muito nos desligamos
da lida sindical, cada qual cuida das suas posses e das suas lembranças nos
termos e jeitos que a vida nos dá. A essência, tenho plena consciência, de cada
um, ali intacta, inabalável. Não nos encontramos mais, como as vontades ditam,
entretanto, nossos caminhos se firmaram na margem boa da história. Bebeto, com
o ímpeto, a iniciativa, aquela leitura lúcida, uma eletricidade prática,
imediata de fazer o bem, é sempre uma boa companhia no front. Zé Carlos, um
cavalheiro, doce. Intelectual. Naqueles tempos, era um dos poucos da peãozada a
dominar o inglês. Acudi-me algumas vezes dele para traduções ou mesmo
composições de textos para divulgação nas estranjas. Houvesse no Brasil hoje,
umas boas dúzias de Bebetos, outras quantas pencas de Zé Carlos, certamente
seríamos um país mais feliz, mais orientado e mais decisivo nas buscas por
igualdade, paz e justiça.
São
essas as palavras que não foram ditas. Às vezes ocultadas pela vaidade
instantânea ou por aquela trava besta que nos impede de elogiar, dar valor a
quem tem. Penso que meu coração se contenta, a alma se alivia e meu ser se
inclina à humildade quando expresso amor, carinho, admiração por quem dedica a vida
à construção de novos dias. Como canta Milton: “no meu canto, estarão sempre
juntos”... A mim.
Maravilhoso
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