A bexiga natatória e o listão
Dou
o maior valor nas comemorações pela aprovação no vestibular. Ler o nome no
listão é pra se alegrar mesmo e muito. Ainda mais se for aluno da barra, dos
arrabaldes, dos longes, difíceis e, não raro, esquecidos estirões. Aqui na
baixa da Pedreira, é só ouvir o foguetório, o alô papai, alô mamãe do Pinduca,
que já me animo pra saber de que rumo vem a festa. Em nosso cantinho à beira do
canal da Pirajá a marchinha do vestibular tocou que só. Teve uma onda boa da
família, entrando na UFPA, por uma pá de tempo. Agora, me enxiro nas
comemorações alheias, as gerações da família se espaçaram e vamos esperar a
próxima leva com a netinha, os sobrinhos-netos. Por ora, vou me emocionando com
a animação dos vizinhos e conhecidos dessa Pedreira velha. E me derreto logo.
Choro, vibro junto com os calouros, me breo todo com maizena e ovos quebrados
na cabeça. Faço reflexões do instante quando me deparo com um garoto da mais
genuína perifa ostentando um cartaz com uns dizeres anunciando que ele passou
em Direito. Em Direito! É jovem de imenso valor. Brasileirinho que tem dentro
dele todas as forças e energias para remexer o que está imóvel e impenetrável.
Um lutador rompendo barreiras, derrubando obstáculos, desdizendo crenças e vaticínios
exclusivos. Passar em Direito... Emparelhar com tantos sobrenomes tradicionais.
É de tirar o chapéu.
Este
feito grandioso me faz lembrar que também tentei Direito. E não passei. Na
conta que fiz, me faltaram 12 pontos pra alcançar a nota e também,
liminarmente, careceu de mais zelo e atenção aos sobrenomes que abicoravam a
vaga e que no meu deslize e no cômputo geral, acabaram abiscoitando a chance que
tinham de passar. Pra não ficar assim, que não passei porque sou um desmerecendente,
não conto conversa e pra desanuviar da dor, jogo a culpa na questão de Física
que nos cobrava saber algo e mais um tanto sobre a bexiga natatória dos peixes.
E reconheço. Lutei com as armas que eu tinha. A vasta e desregrada palavra.
Acho
que foi a primeira versão do vestibular com respostas discursivas, largando pra
trás, a loteria dos xises. Estava indo até bem. Uns escorregões em Matemática,
outros em Química, mas nas questões das humanidades e línguas, estava
arrebentando a boca do balão. Aí veio a prova de Física. Não sabia piriricas de
nada. Poderia até gastar meu charme nas questões todas, que se contavam em
cinco. Fiz uma continha rápida e estimei que se caprichasse e me dedicasse em
apenas uma, faria bonito. Escolhi a da bexiga natatória. Havia um texto-base, a
pergunta e abaixo, uma lauda quase toda para a resposta. Pra quê meu Deus! Mandei
ver. Usei todas as linhas, escrevi o que devia e o que não devia. Assim como o
texto anunciava, fui em cima, fui em baixo, especulei, afirmei, depois
reconsiderei. Houve um momento que refiz a pergunta lá do comando. Duvidei
dela, da natureza das coisas, de Arquimedes, da Eureka e da eficiência das
experimentações em banheiras. Num determinado instante me coloquei na pele da
pessoa que iria corrigir aquele devaneio. Aquela mais pura e destrambelhada
enrolação. Não sabia absolutamente nada sobre a relação da bexiga do peixinho
com a Física Clássica. E o resultado foi um belo zerinho na questão. Na
conferência do gabarito, quando esperava uns cents dela, me veio o mais nítido
vazio. Meu peixe-curso de Direito afundou de bexiga vazia.
Crianças,
não façam isso. Estudem. Respondam todas as questões, façam exercícios. Por
falar em exercício, depois do caso passado e me entretendo com os vídeos do
celular, encontrei mina de questões resolvidas e comentários sobre o mesmíssimo
problema posto da bexiga natatória dos peixes. Tivesse eu me entregado à
curiosidade antes e também, à época, uma boa internet, estaria ali, pareando no
Direito com os tradicionais sobrenomes hoje.
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