sábado, 3 de fevereiro de 2024

crônica da semana - bexiga natatória

 A bexiga natatória e o listão

Dou o maior valor nas comemorações pela aprovação no vestibular. Ler o nome no listão é pra se alegrar mesmo e muito. Ainda mais se for aluno da barra, dos arrabaldes, dos longes, difíceis e, não raro, esquecidos estirões. Aqui na baixa da Pedreira, é só ouvir o foguetório, o alô papai, alô mamãe do Pinduca, que já me animo pra saber de que rumo vem a festa. Em nosso cantinho à beira do canal da Pirajá a marchinha do vestibular tocou que só. Teve uma onda boa da família, entrando na UFPA, por uma pá de tempo. Agora, me enxiro nas comemorações alheias, as gerações da família se espaçaram e vamos esperar a próxima leva com a netinha, os sobrinhos-netos. Por ora, vou me emocionando com a animação dos vizinhos e conhecidos dessa Pedreira velha. E me derreto logo. Choro, vibro junto com os calouros, me breo todo com maizena e ovos quebrados na cabeça. Faço reflexões do instante quando me deparo com um garoto da mais genuína perifa ostentando um cartaz com uns dizeres anunciando que ele passou em Direito. Em Direito! É jovem de imenso valor. Brasileirinho que tem dentro dele todas as forças e energias para remexer o que está imóvel e impenetrável. Um lutador rompendo barreiras, derrubando obstáculos, desdizendo crenças e vaticínios exclusivos. Passar em Direito... Emparelhar com tantos sobrenomes tradicionais. É de tirar o chapéu.

Este feito grandioso me faz lembrar que também tentei Direito. E não passei. Na conta que fiz, me faltaram 12 pontos pra alcançar a nota e também, liminarmente, careceu de mais zelo e atenção aos sobrenomes que abicoravam a vaga e que no meu deslize e no cômputo geral, acabaram abiscoitando a chance que tinham de passar. Pra não ficar assim, que não passei porque sou um desmerecendente, não conto conversa e pra desanuviar da dor, jogo a culpa na questão de Física que nos cobrava saber algo e mais um tanto sobre a bexiga natatória dos peixes. E reconheço. Lutei com as armas que eu tinha. A vasta e desregrada palavra.

Acho que foi a primeira versão do vestibular com respostas discursivas, largando pra trás, a loteria dos xises. Estava indo até bem. Uns escorregões em Matemática, outros em Química, mas nas questões das humanidades e línguas, estava arrebentando a boca do balão. Aí veio a prova de Física. Não sabia piriricas de nada. Poderia até gastar meu charme nas questões todas, que se contavam em cinco. Fiz uma continha rápida e estimei que se caprichasse e me dedicasse em apenas uma, faria bonito. Escolhi a da bexiga natatória. Havia um texto-base, a pergunta e abaixo, uma lauda quase toda para a resposta. Pra quê meu Deus! Mandei ver. Usei todas as linhas, escrevi o que devia e o que não devia. Assim como o texto anunciava, fui em cima, fui em baixo, especulei, afirmei, depois reconsiderei. Houve um momento que refiz a pergunta lá do comando. Duvidei dela, da natureza das coisas, de Arquimedes, da Eureka e da eficiência das experimentações em banheiras. Num determinado instante me coloquei na pele da pessoa que iria corrigir aquele devaneio. Aquela mais pura e destrambelhada enrolação. Não sabia absolutamente nada sobre a relação da bexiga do peixinho com a Física Clássica. E o resultado foi um belo zerinho na questão. Na conferência do gabarito, quando esperava uns cents dela, me veio o mais nítido vazio. Meu peixe-curso de Direito afundou de bexiga vazia.

Crianças, não façam isso. Estudem. Respondam todas as questões, façam exercícios. Por falar em exercício, depois do caso passado e me entretendo com os vídeos do celular, encontrei mina de questões resolvidas e comentários sobre o mesmíssimo problema posto da bexiga natatória dos peixes. Tivesse eu me entregado à curiosidade antes e também, à época, uma boa internet, estaria ali, pareando no Direito com os tradicionais sobrenomes hoje.

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