sábado, 22 de outubro de 2016

crônica da semana- a revolução dos bichos

A revolução dos bichos
Vou te contar. Das histórias de medos e assombros que ouvia por aí pelos ermos amazônicos, as versões que envolviam bichos, eram as que mais me apavoravam. Do menor para o maior no pavor de ataques: uma surra do macaco Gogó de sola. Uma ferroada fulminante da Tirana bóia. E um banho ácido de formiga Saca-saia. Este, o mais indefensável dos tormentos.
De um assalto da Saca-saia, não havia bom que escapasse. Tinha que evitar o encontro. Diziam as testemunhas, que quando as formigas saiam de dentro da terra, contava-se pra mais de milhão os famintos caçadores. Formavam um mar de pequeninos predadores que avançava pela floresta num chiado agressivo. Na frente, escapando de qualquer jeito, ainda segundo os ilimitados contadores de causos, pernas pra que te quero dos animais mais valentes, aos mais comedidos. Quem ficasse para trás, a nuvem de Saca-saia devorava num piscar de olhos. E daquele jeito: de não sobrar uma pontinha de asa, um ossinho sequer.
Eu me pelava de medo da Saca-saia. Qualquer ruído mais agudo que ouvia na mata, já imaginava aquela onda me diluindo em ácido fórmico e me bebendo quentinho. Não tinha escapatória. Eu seria uma presa fácil.
A Tirana bóia (que tem outro nome, mas uso este que acho mais simpático, mais popular), me causava uns ‘arrupios’ por causa, dizque, da ferroada que malinava de dor por 24h horas antes de matar a vítima. Tinha também o agravante da aparência e dos diz-que-me-disse da sua origem. Tem um corpo de inseto e a cabeça de réptil. Especula-se que é descendente de uma linhagem de jacarés. Já pensou. Uma praguinha que tem uma história ilustrada dessas só pode ter um ataque letal mesmo. Nunca vi uma voando, sonsa, ao largo. E nem quero ver. Só ouvi falar.
Desta meia fábula, quem vem por último em termos de espantos e calafrios é o macaco Gogó de sola. Mas não se pode dar mole pra ele. É pequenino, mas ataca em bando. Não é uma nuvem de milhares como a formiga e nem voa despercebido como a Tirana, mas age com estratégia e decisão. Digamos que a atenuação dos perigos que traz em si é a possibilidade de o bando sair perdendo. O Gogó de sola resolve a parada no muque. Desafia a vítima, parte pro soco. Procura a jugular. Se o alvo consegue se defender, estapear um ou outro; se ele perceber resistência, desiste. Não me contaram um único caso em que o bando de Gogó de sola desistiu de um confronto. Eu por mim, não vou me trocar. Quero distância.
Depois de anos longe dos riscos mais perturbadores da floresta (ou fantasiosos, afinal são causos), agora, habitante do asfalto e da selva de pedra, ouço um chiado se anunciando algures. Alevanta-se ao largo, uma onda, uma ferroada com muque e decisão. Os pequeninos estão se erguendo. Muito a fim de dissolver em ácido a malineza, a sordidez. É a revolução da Saca-saia. O mais indefensável dos tormentos, se aproxima.

É o que escuto por aí, pelas esquinas. Tem quem jure de pé junto: De um assalto da Saca-saia, não há bom que escape. A onda vem fervilhando e faminta. Na frente dela, em fuga desesperada, tudo quanto é bicho.

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