A manga tá minando
Nunca
na história dos meus Círios aconteceu de cair tanta manga perto de mim. Muitas assim,
tirando o trisca do meu cocuruto. Por certo a Santa me livrou de uns
azuruozamentos das ideias e uns calombos em tantas e apreensivas vezes.
Há
alguns anos, escrevi sobre estes aperreios aqui. Falei, na ocasião, de um
evento justíssimo ocorrido: Comprei umas fitinhas do Círio, destaquei uma delas
e caminhava pela Generalíssimo, enrolando a fita entre os dedos, numa
displicência gostosa, aproveitando o ventinho geral que batia no final da
tarde. As mãos que enrolavam a fita iam a uma distância mínima do meu peito.
Pois a manga passou como um tiro, exatamente ali, naquele vão, fazendo um
barulhão ao espatifar-se na calçada. À época, creditei o livramento à
intercessão da Virgem, que me fez escolher uma fita e a distrair-me com ela,
alterando assim o ritmo das minhas passadas. Fosse de outro jeito, fatalmente
coincidiríamos o instante, eu e a manga.
Não
vamos nem longe, hoje mesmo, esperando o ônibus que nunca passa quando a gente
mais tem precisão, lá no Veropa, choveu manga ao meu redor. Tive que me abrigar
na já estiolada cobertura do mercado pra escapar dos encontros. Não dá pra
sobrecarregar a Santa nessa época. Segundo minha mãe, Deus disse: “faz por ti
que te ajudarei”. No frigir dos ovos, temos que orar, mas também vigiar. Na
cidade das mangueiras, ser previdente não custa nada e conserva a integridade
da caixola.
A
manga, benza Deus e Nossa Senhora, tá minando na cidade. É uma dádiva. Está na
agenda de um cumê providente a cada dia. Aqui na Pedro Miranda, pelo menos
cinco espécies de mangueiras oferecem diariamente uma opção para apaziguar o
estômago na hora da broca. Os catadores já começaram a aparecer. Carrinho de
mão pranchado, um saco armado entre os braços, só aparando. Às vezes, vêm em
dupla. Um escala a árvore, recolhe a fruta e lança para o aparador. Há os
catadores solitários. Estes, utilizam a vara. Cutucam o cacho. Fazem um
malabarismo e combinam a queda da manga com o posicionamento do saco aparador.
É uma tarefa!
Se
eu recolhesse todas as mangas que me assustaram, nos últimos dias, já teria um
bom acervo. Mas só peguei duas mesmo. Foi no domingo do Círio. Trouxe pra casa.
Não como manga na rua.
É
que sou totalmente descontrolado. De posse de uma manga carnuda não há
civilidade em mim. Descasco todinha, lambo a casca e só largo dela quando a
pele fica bem fininha. Esta é a primeira etapa. Depois passo para a polpa
massuda, sem me importar com o incômodo dos fiapos entre os dentes. Rôo o
caroço até ele descorar sequinho da silva. Me lambregalho todo. É como se
rolasse um transe, nessa hora. A orelha, os olhos, a ponta do nariz, tudo fica numa
breação só, mas eu, nem seu Souza. Tô nem aí. E ainda rola uma fariinha. Um
prato, embora inspire uma certa cerimônia, sempre é bom, em presença despojada,
no apoio ao descarte dos despojos. E a isso, nada além.
Nunca
na história dos meus Círios aconteceu de cair tanta manga perto de mim. Uma ou
duas trago pra casa. E aí...Não há civilidade em mim.
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