domingo, 2 de março de 2014

crônica re mix - Carnaval

Sonho de carnaval
Há tempos tô com vontade de desfilar meu charme numa das nossas Escolas de Samba. Este ano, tô a fim. Há um astral, mesmo que tímido ainda, pairando sobre o nosso carnaval de rua, mas reconheço ser um astral animador anunciando ‘a festa da carne’, e diante do clima,  já fiz uma jura: vou para a avenida do samba.
A Escola vai ser da Pedreira, é claro. Talvez duas, se o preparo físico de jogador de porrinha permitir. Vou tentar me arriscar também num bloco de empolgação. E se tiver um por aí bem ao estilo  revolucionário do velho Aguenta o Tombo, vou que vou com tudo (é um tombo pra cá/é um tombo pra lá...).
O problema é com que roupa eu vou.
Perdoem-me os diretores de harmonia, mas não tem cristão que me faça vestir aqueles balangandãs multicoloridos, aqueles acessórios, tão carinhosamente idealizados pelos nossos talentosos carnavalescos e que, verdadeiramente, enriquecem as fantasias. Não. Não tem quem faça.
Das alegorias de mão, me poupem: os deuses da folia reclamam as mãos soltas para louvá-los. Adereços e penachos que atentam contra a lei da gravidade, nem vem... Chapéu estilizado que ocupe uma das mãos com a missão menor de equilibrá-lo no cocoruto, eu dispenso: nada de coreografia “moça do leite condensado”.
Sobre os ombros, negatofe.
Nem resplendor de papel laminado, ou arco-íris de isopor, tampouco asinhas emplumadas que ficam entesando a gente na inglória missão de fixá-las. Não. Não quero nadica. Na avenida, meus queridos diretores, eu quero ser livre. Quero esvoaçar pagão sobre o asfalto e mostrar no pé a ginga de moleque pedreirense  e o samba que habita meu espírito.
Também nem tanto, né!
Não vou pleitear um lugar no nicho libérrimo que é a ala dos de sunga e brilho. Eu, heim! Com essa barriguinhazona e esses gravetos (vulgo canela fina), nananina. Não quero ser alvo de comentários populares do tipo “que coisa reeedícula”. Pelos mesmos motivos, declino de uma tanguinha na ala dos Tembé. De tanga? Ah, ah, ah, ah...Olha que as coisas vão sobrar...
Devemos nos entregar à liberdade momesca, mas devemos, também, manter o mínimo de lucidez para evitar a bizarrice. Devemos lembrar que haverá, lá na frente, uma rígida quarta-feira de cinzas a nos esperar com o caderno de contas na mão.
Deus Baco que me livre e guarde, em contrapartida, do alto dos carros alegóricos. Ali, sobre aquela plataforminha tremelicante segurando aquela varinha bêbada, e bêbado eu! Lá pras altura eu é que não vou me abalar. Lá em cima, não abriria nem os olhos, que dirá o samba no pé.
Mas taí: um chapéu Panamá, uma camisa listrada, uma calça de cetim... a sapatilha prateada, a barba por fazer, que tal? Ah, de passista, tipo malandro carioca de gestos leves e faceiros (um desafio para os meus sessenta e poucos quilos, admito), eu vou. Livre para alçar vôos sobre as luzes da avenida, para acariciar o povo animado da arquibancada da Aldeia Cabana, para reverenciar o meu povo da Pirajá, bem localizado, à beira da calçada. Obediente para pedir a bênção dos deuses, livre para desenhar no chão da Pedreira, o meu coração de sambista.
Legal, de passista é que eu vou. Livre para me entregar à poesia do carnaval. Com a confortável possibilidade de, foi-não-foi, fazer par com uma alucinante mulata, com o mistério, com o desejo, com a ilusão e com os sonhos de carnaval.
Ah, fazer par com a maravilhosa mulata...

Sim, eu vou de passista. Mesmo que seja em sonho, é de passista que eu vou.   

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