sexta-feira, 7 de março de 2014

crônica da semana- dia internacional

Papo (sério) de carnaval
Eu saí à rua, exclamando no qual pega: “a gente ouve cada coisa, cada marmota, cada presepada!”. Meio azuruote, não acreditando que um pensamento tão selvagemente dominador ainda exista.
Carnaval a gente sabe, né, fazemos poucas exigências, nos damos licenças e permissões, tudo em nome da alegria. Eu estava comedido, porque estava apertado, na fila do banheiro. E éramos os dois exemplares da espécie, ali lado a lado, com nossa fisiologia apartada por duas frágeis portas. Dividíamos o corredor até o momento final de escolhermos e adentrarmos as portas devidas. Enquanto isso, prosas e ambiguidades rolavam. Saliências e maledicências eram disparadas do meu lado de cá, para o lado delas. Pelo que entendi, eram pequenas provocações, porque a gente estava em tempo de se não aguentar mais e um alarido despretensioso acabava por dissimular a dor na bexiga. Tudo bem. Rola mesmo essa liberalidade na hora da agonia. Lembro que havia na minha frente, um rapaz, bem saidinho que exagerava nas propostas. Um senhor mais maduro se agitava atrás de mim, mas pouco falava. Antes que o banheiro nos fosse franqueado, captei a mensagem: o rapaz insinuava que se alguma das moças do lado de lá lhe atendesse ao menos com um selinho, daria a ela o privilégio de se antecipar às outras e usar o banheiro masculino, sob sua égide. Foi agraciado uma sonora vaia e alguns solavancos verbais. Caso passado, entramos os três, no banheiro. Tomadas as posições, fiquei mais sério que bode embarcado, uma porque não falo com estranhos, ainda mais no banheiro; outra, porque emburrei. Na frieza do desprezo, o rapaz começou a declamar ofensas contra as meninas, no que foi seguido, sem ponderações, pelo senhor mais maduro que eu pensava ser um tantinho mais sensato. E naquele tempinho, ouvi canalhices abomináveis, saltando com inconteste prodigalidade, da índole selvagem daqueles pobres diabos.
Tratavam as mulheres, não as mulheres da fila, me parece que todas as mulheres do mundo, com indisfarçável ira, com um primitivismo  de dar medo. Argumentavam, ali dos seus quadrados que, se era carnaval, as mulheres deveriam vir disponíveis para atender aos anseios dos homens. Se era pra curtir, tinham que vir sem reservas, se sujeitarem. Aderirem aos apelos da carne mesmo que impuros e fartos. Mesmo que sujos ou impositivos, autoritários. Percebia que eles estavam contrariados porque não estavam encontrando reciprocidade para os seus “instintos bestiais”, e esta frustração não lhes causava pudor em destruir a imagem das mulheres. Brutos, mal talhados moralmente, mas covardes. Vociferaram enquanto estávamos atrás da porta, no entanto, quando saímos e demos de frente com a tropa feminina novamente, se recolheram aos seus instintos. Eu ainda os vi sumir, pelo asfalto em meio aos foliões. Exclamei, reclamei em voz alta deles, e tomei termo e cuidado. São esses os caras que se misturam às alegrias do carnaval e potencializam tristezas.
Fui criado numa casa só com mulheres. Minha mãe e três irmãs. A minha vida toda, tenho aprendido com elas. A me defender...e a atacar...
Estava com minha filha, minha companheira, amigas da minha filha, a petizada da Geologia. A presença feminina no nosso bloco era expressiva. Fiquei piriricas com a postura dos caras. E elas, ah, elas me tranquilizaram. Conhecem a peça-homem. Sabiam reagir aos embates atávicos. Estavam no comando. Convencido do poder das mulheres, embora tenha adestrado o olho aos movimentos, desopilei da minha vingança saramaligna. Protegido por elas, não perdi o domingo e, na paz, nos divertimos a valer.

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