sábado, 22 de março de 2014

crônica da semana - pororoca

Ouviu esse barulho aí?


É a pororoca que vem pororocando com mais de mil pelos canais dos nossos rios. É a força da maior das sizígias rompendo a pedra do Ver-o-Peso e levando o banzeiro para além do Boulevard. É o tempo das marés altas submeterem as margens, e mais têi têi ainda, neste ano, somadas a essa ruma de água que desce do Madeira, do Xingu, do Tocantins em porções pra lá de taludas. É água pra mais de metro. Pode arregaçar as calças porque, daqui pro fim do mês, pra comprar um quilo de piramutaba no mercado de peixe, um maço de cheiro na banquinha da beira ou um punhado de verduras  ali na calçada dos sortidos, vamos ter que encarar uma maresiazinha. 
A Pororoca acontece como resultante de vários fenômenos astronômicos. Um deles é o Equinócio. Para mim, o mais misterioso, o mais socialista dos movimentos domésticos do sistema solar (e o mais referenciado. A partir do equinócio é que se determina a data do carnaval). Compreende a posição da Terra em que os raios solares iluminam igualmente os hemisférios Norte e Sul. E também, reflete um trecho do traslado celeste, em que a Terra está um issozinho mais perto do sol. E aí, maninho, o astro-rei, atracando nosso planeta exatamente pela cintura equatorial, não alivia. Usa de todo o seu poder e sedução. Põe a força gravitacional pra chulear. A Terra se vê, nas suas partes mais sensíveis, revolvida, remexida. Os mares se excitam, se assanham, só faltam pular para o espaço infinito. São as grandes marés. Elas vêm bater aqui na pedra do Veropa, dobram a esquina do Guamá e vão arrebentar, com alarde, nos domínios do rio Capim. 
O equinócio ocorre duas vezes por ano, provoca grandes marés em março e setembro, mas aqui no vale do Amazonas, é mais intenso, a gente sente mais, agora, no início do ano. Em setembro é mais discreto porque os rios amazônicos, nesta época, por estarem na seca, contribuem pouco com o volume d’água e a maré é tão comportada que mal chega a lamber a pedra do peixe. 
É uma breve estação na viagem que a Terra faz ao redor do sol, o Equinócio. E tão certo como o alagamento da Marechal Hermes é esta posição ao longo do ano. É conta batida. Sem falha. Traduz, na sua pontualidade, a ordem universal. A harmonia cósmica. A disciplina sideral. Em Março ou em Setembro, lá está a terra, no seu cantinho. De um lado. De outro. Simetricamente posicionada no condomínio solar. Um exemplo eterno de obediência. A cada seis meses, oferecendo o Equador para ser o meio de distribuição igualitária de calor tanto para os poderosos do Norte, quanto para os bárbaros do Sul. É como se Gaia nos quisesse dizer que somos iguais, nos alertasse para a partilha e para a interação fraterna. 
Sou meio encantado com essas marcações conservadoras. Extremos da Terra me interessam. Os traçados do céu também. Equinócio, Solstício... Todos são desenhos naturais imutáveis ou, no mínimo necessitam de quase uma eternidade para mudar de traço e jeito. Quer dizer, inalterável, para além das fronteiras estelares. Aqui pra gente, um ziguezague no tempo até que pode. Assim pela lei das coisas, o Equinócio deveria acontecer sempre no mesmo dia, se em março, dar-se-ia após o ciclo de 365, 25 dias, o tempo de uma volta completa em redor do sol. Este ano aconteceu no dia 20. Mas já ocorreu, em outros anos, no dia 21. Fica assim, entre o dia 20 e 21 de março. Se Kepler estivesse por perto, eu pediria pra ele me explicar esta subversão na simetria da elipse. Em todo caso, vou me preparar, para, no sábado próximo vindouro, dar uma voltinha pelas beiradas do comércio de Belém e apreciar, encantado, as águas de Março. 


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