sábado, 6 de outubro de 2012

crônica da semana- fumaça e fogo


Couro quente
Éraste, um tantinho só que andei do meu ponto de ônibus até em casa, na chegada do trabalho, já constipei. Todo dia é assim. Tô bem que só, mas quando cai a tarde, já viu, começa o ronc-ronc. É essa maldita fumaça que me consome. E pela natureza acutilada do ataque ou pelo odor agudizado do golpe, parecendo mais um feixe de lâminas se infiltrando pelas fossas nasais, rasgando cartilagens, pelinhas, estraçalhando pelinhos, gerando muco, muito muco, e espirros salteados, só pode ser fumaça de mata queimando. Desse jeito, morre a floresta. Morro eu, morremos todos os seres e verbos.
Todo ano é assim, aqui na Vila dos Cabanos. O povo aproveita o estio e deita fogo na mata. Não tem quem suporte. Mais ainda ao pôr do sol, que de romântico, por aqui, não tem nada. Nessa hora, a atmosfera esfria e concentra uma carrada de porcarias próximo à superfície. Particulado, voláteis, gases. O clima, literalmente, assenta-se pesado, chega a vista fica turva, arde e discerne pouco. Não tem, também, ninguém que evite ou coíba as queimadas, a casa aqui é da mãe joana, lambança total. Até candidato a vereador queima (bem aqui, na porta de casa e logo quando vira o geral e o vento vem pra cá, ao invés de ir empestar a casa dele, do dito peste).
Esse negócio de fogo, nos arredores de aglomerados urbanos, além de irritar e fazer mal a saúde, é uma questão séria de segurança.
Aconteceu comigo em Rondônia. Havíamos montado um acampamento perto da vila residencial. Minha equipe, na época, era uma teba. Pra mais de sessenta pessoas. Como íamos ficar um bom tempo ali, construímos os barracos com um zelo pouco comum. Montamos dois vãos estirados na orientação longitudinal do terreno, dividimos em pequenos quartos e fizemos as paredes com palhas especiais, que eu até hoje conheço como pindoba, mas outros dizem ser o olho ou o filhote da palmeira. Eram, por certo, palhas mais jovens, algumas nem abertas estavam, nós é que a desfolhávamos na obra. Eis que a cobertura, a gente fazia com palha verde e as paredes, com palhas amarelas. Nosso acampamento ficou um mimo. Chiquerérrimo. No mesmo padrão, erguemos a cozinha e um barraco que eu fazia de escritório e de meu cantinho para atar a rede na hora da preguicinha da tarde.
Tudo no seu devido aquele, a labuta seguiu reta. A galera com um certo orgulho de morar num lugar colorido de dois sabores e ainda mais, com a cores nacionais.
Mas não era perto da vila? E na vila não tem moleque? E moleque quando apronta, a gente sabe, pra desatar é um custo.
Certo dia, quando voltamos do trabalho, a mata do entorno estava ardendo. Quase atingindo a nossa cozinha. Foi uma correria. Busca água, faz aceiro, corta pau. Cheguei a entrar em umas das varações. Coisa impressionante. É assustadora a cena de árvores queimando. Bananeiras brabas simplesmente explodiam. A área compreendia uma faixa de vegetação secundária que ia do fundo na nossa cozinha até a fronteira com a vila residencial, ou seja, as casas estavam em risco. Arrodeamos o fogo e o isolamos. Depois, ateamos fogo ao contrário. Foi quando conseguimos controlar a situação. O pouco vento que se bandeou pra’li, não se alvoroçou e não demorou muito estávamos aliviados e livres do perigo (o que não foi o caso dos atentados que provocaram a confusão, pois entraram na chinela e, bem merecidamente, foram dormir com o couro quente).
O fogo como, com tamanha inspiração, depõe Caetano, “ergue e destrói coisas belas”. Amanhã elegeremos os nossos mais próximos representes. De minha parte observo: não tão próximo como o meu vizinho.Gosta de um fogo, este pequeno...

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