sábado, 27 de outubro de 2012

crônica da semana - farinha


Quando Deus dá a farinha...

Vez sim, vez não, me pego de olho nas coisas do mundo em busca de simetrias. É um costume que tenho, mas não é uma piração total, não. Digamos que é um sestro comedido. Um viciozinho que se desencadeou depois que fiz uma disciplina no curso de Geologia que identificava e classificava a semelhança entre as faces dos minerais. A natureza abriga múltiplas formas e este jeitinho de ser está presente em todos os componentes da criação (não só dos minerais). Lá nas aulas de laboratório, nos pegávamos com uma série de minerais, posicionávamos o cristal entre os dedos, virávamos para um lado, para o outro, inclinávamos, desvirávamos, rotacionávamos verticalmente, horizontalmente...Era um exercício de percepção numa busca metódica por faces iguais. 
Daí, que eu saía da aula de Mineralogia e ficava com aquela coisa no cocuruto. Esbarrava com uma árvore, fazia a rotação possível e apreendia a simetria dela. Procurava simetria nas pessoas, nas casas, nos postes, nos cachorros da esquina, nos móveis da casa, nas peças eletrônicas, nos caderninhos de anotações, nas escovas de cabelo, de dente; nos sorvetes de uma bola, nas moedas de um Real, nos relógios de parede, nas cestas de lixo reciclável, na carteirinha de meia-passagem, nos óculos do camelô, nos barcos ancorados na foz do Piry, nas janelas da Casa das Onze Janelas, no busto (bastante assimétrico) do Camões, nas naves da Sé, nas panelas empretadas de tisna, no ovo cozido, no copo de vinho, nas estátuas das praças e das lojas de 1 e 99, nos semáforos e nas placas de pare. Nos carrinhos de mão dos operários da construção civil e em alguns prédios da alta burguesia belemense... 
Porque a simetria, na vera, é a repetição das partes de desenhos ou de contornos iguais de entes e objetos que formam o nosso mundo. Pode ser conforme, com a reprodução aparentemente idêntica da forma; ou inversa (no ser humano, as mãos são um exemplo extraordinário de simetria inversa: são iguais, mas são diferentes). Para dar um exemplo bacana, podemos nos acudir na funcionalidade do cubo, este de gelo mesmo que temos à mão para o uisquinho, que é uma forma geométrica de alto grau de simetria ou podemos também sucumbir aos encantos do jambeiro que é uma árvore de uma combinação encantadora (a gente arrodeia a lindinha e é sempre aquela sensação verde de harmonia e beleza). 
Até hoje faço isso. E assim, observando, examinando, refletindo, combinando, fui descobrindo que na verdade, na verdade, a simetria é apenas uma busca. Ela, não vinga em plenitude. Na real, ela não existe. O universo, como dizem os estudiosos, é elegantemente assimétrico. 
Não há motivo, porém, para decepção. Não exigimos a perfeição. Aliás, o que move o mundo é a descompensação, a descontinuidade, mesmo que nanométrica. A verdade vem da contradição, do conflito, asseverava Marx. 
A sabedoria popular, inclusive, reconhece as assimetrias de forma prosaica quando reconhece que “quando Deus dá a farinha, o Diabo vem e leva o saco”, ou seja, considera a estabilidade uma utopia; o dizer do povo entende ser a vida tranquila e sem traumas, uma ilusão. 
No meu primeiro livro, diligenciei no rumo do povo, afirmando que temos sempre uma oração coordenada adversativa no nosso caminho: “o cidadão comprou fogão novo? Comprou, mas veio com problema”. 
No muito que podemos crer é que as formas e os conteúdos se disponham aparentemente iguais. O mais aparentemente igual possível, compõe a maior simetria. E com isso, com esta certeza, nos havemos na vida, observando, examinando, buscando...desigualdades e contradições. 

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